As sociedades comerciais são, como sabemos, sujeitos de direito comercial que estabelecem diversas relações jurídicas com os demais sujeitos de direito.
Neste seguimento, destaca-se a existência, inerente, da relação contratual entre os administradores/gerentes e a sociedade.
Os administradores comportam genericamente dois poderes-deveres, de gestão e de representação, segundo Menezes Cordeiro. Fundamental neste contexto será a gestão da sociedade, que assenta na gestão de património, dos parceiros de negócio e na celebração de contratos em nome da sociedade e, as regras que guiam os comportamentos dos administradores.
Segundo o muito conhecido artigo 64º do nosso Código das Sociedades Comerciais os administradores vinculam-se ao cumprimento de dois deveres principais: o dever de cuidado e o dever de lealdade, tendo sempre como princípio orientador o interesse da sociedade.
Interesse esse que poderá não ser prosseguido por meio de, por exemplo, desvios de interesses, ou seja, pelas eventuais condutas dos administradores no sentido de orientar a empresa para um fim estranho ao objeto social ou até, favorecer sócios em detrimento de outros, causando diversos e graves prejuízos à sociedade.
Efetivamente alguma doutrina aplica às decisões sociais, o regime administrativo típico – desvio de poder. Outra destaca o desvio de poder como uma forma particular do abuso de direito. Difere, Coutinho de Abreu, neste contexto, os conceitos de abuso de direito e desvio de poder, afirmando que o abuso de direito se liga intrinsecamente ao direito privado, aos direitos subjetivos.
A matéria do desvio de poder fixada na disciplina do direito administrativo não poderá ser transferida para o domínio das deliberações sociais. Isto porque, no domínio público, aos agentes administrativos é sempre imposta a prossecução de uma finalidade pública específica o que não se sucede no âmbito societário em que os sócios, como já referido, devem prosseguir a maximização do lucro tendo por base o princípio que orienta o direito societário. Dentro dos trâmites jurídicos o particular goza de poderes de livre determinação e de autonomia, podendo escolher livremente os seus atos para as mais diversas finalidades, ao invés do que se sucede no direito administrativo.
Em suma, nas sociedades/empresas as deliberações dos sócios comportam sempre riscos no que concerne ao respeito pelos limites estabelecidos numa perspetiva social e dentro dos bons costumes. Ultrapassados os limites que caracterizam o dever de profissionalismo de um gestor (administrador) criterioso e ordenado, seja por excessos, desvios ou abusos formalizam eventuais responsabilidades dos sócios.
Dra. Marisa Simões
Dr. Gonçalo Castanheira dos Santos