O caso em apreço, do processo nº 32/22.8T8BRG-A.G1 do Tribunal da Relação de Guimarães trata de uma questão que não se configura como nova e suscita controvérsia entre a doutrina e a jurisprudência havendo diversas soluções em ambos os sentidos do alegado pelas partes.

   Efetivamente, após o divórcio o ex-casal formando pelo cabeça de casal e pela requerente, que casaram no regime da comunhão de adquiridos (artigos 1721º e seguintes do Código Civil) construíram, durante a constância do casamento, uma moradia num lote de terreno herdado pela requerente, tratando-se, nesta senda, de um bem próprio seu. A questão controversa surge no sentido de conhecer se essa já edificada moradia, no lote de terreno da ex-cônjuge mulher, exclui-se do processo de inventário cujo objetivo passa por proceder à partilha dos bens comuns do antigo casal e se terá que relacionar o valor da casa por meio de benfeitorias (artigo 216º do Código Civil) ou, de outra forma, se a construção no lote terreno herdado deve fazer parte do processo de inventário por se tratar de um bem comum do casal e relacionar-se o valor do lote de terreno como compensação do património comum.

   A tese adotada pelo Tribunal de 1ª instância e suportada pela Requerente passa por distinguir benfeitorias de acessão (artigos 1325.º e seguintes do Código Civil). A benfeitoria passa por um melhoramento que está ligado à coisa em consequência de um vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno exterior de um terceiro que não tem qualquer contacto jurídico. Tal construção não se configura no regime da acessão (imobiliária) pois o cônjuge não proprietário do lote onde a moradia foi construída, tem conhecimento de que a construção não se dá na sua propriedade, comprometendo a boa-fé como tipificado no artigo 1340º do Código Civil. Segundo as justificações doutrinais da decisão em apreço e mediante orientação jurisprudencial maioritária conclui-se que o grande critério diferenciador entre acessão (imobiliária) e benfeitorias reside na existência de um vínculo jurídico entre a pessoa que faz o melhoramento à coisa e essa coisa pois, segundo Antunes Varela, estes regimes jurídicos são diferentes embora objetivamente exista semelhanças pois, apesar de tudo, existe sempre um benefício material da coisa. As benfeitorias destinam-se a conservar e a melhorar a coisa enquanto o regime da acessão implica que surja uma nova construção (se altere a substância).

   Posto isto, a construção de uma moradia sobre um prédio composto por lote de terreno herdado não se configura como um trabalho de simples melhoramento ou de conservação, mas sim numa transformação/alteração substancial, originando uma coisa nova – Artigo 204º nº2 Código Civil.

   Na verdade, toda esta querela parece poder resolver-se à luz do regime matrimonial do casal extinto. Decorre do artigo 1724º do Código Civil que no regime da comunhão de adquiridos fazem parte da comunhão o produto do trabalho dos cônjuges e os bens adquiridos por eles na constância do casamento. Assim, durante o casamento sob o regime da comunhão de adquiridos, caso haja construção de uma casa sobre um terreno propriedade de um, por aplicação do artigo 1726º Código Civil número 1, caso a moradia edificada pelos cônjuges for a parte mais valiosa comparativamente ao valor do terreno, o prédio assume-se bem comum de ambos os cônjuges, ficando a salvaguarda da compensação devida pelo património comum do cônjuge proprietário do terreno.

   Decide o Tribunal da Relação pela partilha da moradia construída por ser bem comum extinto do casal bem como o relacionamento como dívida do património comum conjugal o valor devidamente atualizado, da compensação de terreno destinada a construção que lhe havia sido doada pelo pai.

   Neste seguimento, o recurso de apelação interposto pela Requerente que pediu, por meio de perito, a avaliação da benfeitoria e do recheio da casa em virtude de discordar do valor atribuído pelo cabeça de casal, alegando que o valor dos bens tinha de ser fixado na conferência, por acordo dos interessados. O tribunal de 1ª instância indeferiu tal pretensão, tendo sido corrigida pelo Tribunal da Relação que afirmou que a recusa do pedido por parte da Requerente derivou de um erro de direito. Erro esse que foi colmatado através de um novo pedido de avaliação, revogando o indeferimento por parte do Tribunal de 1ª instância.

Dra. Delfina Rita Mendes

Dr. Gonçalo Castanheira dos Santos