A definição de fiança encontra-se no artigo 627.º do Código Civil, segundo o qual “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”. Sucede que, muitas vezes, na celebração do contrato de arrendamento, o senhorio coloca como condição a existência de um fiador, de tal forma que, ficando prevista no contrato uma cláusula de fiança, esteja garantido o cumprimento do contrato. Assim, num contrato de arrendamento, o fiador será aquele que garante a satisfação do direito de crédito, estando pessoalmente obrigado perante o senhorio. Deste modo, é importante, se assumir a posição de fiador, conhecer o conteúdo de tal obrigação. É que, nos termos da lei, a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor (artigo 634.º do Código Civil).

O Tribunal da Relação de Lisboa, no seu acórdão de 13 de outubro de 2022, proc. n.º 4433/17.5T8LSB.L1-2, debruçou-se sobre estas questões, ao abordar uma situação em que o Senhorio peticionava o pagamento de rendas em atraso e indemnização pelo atraso na entrega do locado (substanciada na renda em dobro), tendo o Tribunal de 1.ª Instância decidido no sentido de que o fiador do contrato de arrendamento em causa também seria responsável pelo pagamento destas importâncias. Inconformado, o Fiador interpôs recurso alegando que não pode ser responsabilizado pela indemnização resultante da mora na entrega do locado já depois da resolução do contrato de arrendamento. Vejamos o que afirmou o Tribunal da Relação.

Nos termos do previsto na lei, findo o contrato de arrendamento, o locatário é obrigado a restituir o imóvel, sendo certo que, conforme decorre do artigo 1045.º do Código Civil, no caso de o mesmo não cumprir a obrigação de entrega, é devida uma indemnização, equivalente ao valor da renda, que é elevada ao dobro em caso de mora. A questão principal prende-se, assim, com saber se a indemnização prevista no artigo 1045.º, que incide sobre o arrendatário, pelo atraso culposo na entrega do locado, equivalente ao valor da renda mensal em dobro por cada mês de atraso na restituição do bem é também responsabilidade do fiador, em razão da fiança que prestou perante o senhorio aquando da celebração do contrato de arrendamento.

Recorde-se aqui o que inicialmente se afirmou a título de definição do instituto da fiança. Em anotação ao previsto no artigo 634.º do Código Civil, afirmam Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, Vol. I: “O fiador é responsável, portanto, não só pela prestação devida, como pela pena convencional (cfr. art.º 810.º), ou pela reparação dos danos, havendo culpa do devedor (cfr. art.º 798.º) salvo se outra coisa se tiver convencionado, já que, como resulta do artigo 631.º, n.º 1, a fiança pode ser contraída em menos onerosas condições.”

Ora, resulta então que, a resposta à questão colocada reside na ponderação do negócio que é feito em cada caso concreto pelas partes, e no que ficou expressamente acordado, a fim de determinar se o fiador responde ou não perante o credor pela indemnização da responsabilidade do devedor resultante da mora na entrega do locado e já depois da resolução do contrato de arrendamento. Não se trata de uma questão de resposta unívoca, já que não resulta do regime legal da fiança tal exclusão.

Quer isto dizer que, conforme mencionam aqueles autores “O fiador não tem de admitir só que venha a ter de entregar ao credor o equivalente pecuniário da prestação devida pelo devedor principal, mas, como já se acentuou, também a indemnização dos danos causados pelo não cumprimento, pela mora ou pelo cumprimento imperfeito da obrigação”.

Posto isto, o que decorre da lei é que o fiador enquanto garante da dívida do arrendatário que outorga no contrato de arrendamento nessa qualidade, assume no contrato a posição de devedor, ficando pessoalmente obrigado perante o credor, tendo apenas como limite a dívida principal, já que, nos termos gerais, o fiador fica obrigado nos mesmos termos que o devedor. A não ser que, o contrato de arrendamento preveja expressamente que a obrigação de fiança é contraída por quantidade menor ou em condições menos onerosas do que a obrigação assumida pelo devedor – no caso, arrendatário (artigo 631.º, n.º 1 do Código Civil).

Aplicando ao caso concreto, o Tribunal constatou que a obrigação assumida pelo fiador no contrato de arrendamento em questão até foi muito ampla, abrangendo todas as obrigações dos inquilinos decorrente do contrato até à efetiva restituição do locado, além de ter sido expressamente prevista a manutenção da fiança nas situações de aumento de renda ou de renovação do contrato de arrendamento mesmo além do prazo de 5 anos previsto no anterior artigo 655.º, n.º 2 do Código Civil.

Assim, conclui o Tribunal da Relação de Lisboa que “neste caso e atento o âmbito e o teor do contrato de fiança celebrado, não merece censura a sentença proferida na parte em que considera que o Recorrente deve ser responsabilizado enquanto fiador pela indemnização resultante da mora na entrega do locado, correspondente ao dobro da renda por cada mês de atraso na sua restituição”.

 

Dra. Delfina Rita Mendes

Dra. Marta S. Neto