A Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações.
Ora, o Tribunal Constitucional, no Acórdão 268/2022 de 14 de Abril de 2022, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição; bem como da norma do artigo 9.º daquela lei, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.
O acórdão do Tribunal Constitucional acima identificado, sublinha que o que está em causa são os dados que revelam, a todo o momento, aspetos da vida privada e familiar dos cidadãos, permitindo rastrear a localização do individuo ao longo do dia, todos os dias (desde que transporte o telemóvel ou outro dispositivo eletrónico de acesso à internet) e identificar com quem contacta (chamada – inclusive as tentadas e não concretizadas – por telefone ou telemóvel, envio ou receção de sms, mms, de correio eletrónico ou de comunicações telefónicas através de internet), bem como a duração e a regularidade dessas comunicações. Porque se trata de dados que não abrangem o conteúdo das comunicações, dizendo respeito apenas às suas circunstâncias (marcos ou pontos de referência que lhe dão o respetivo suporte e que permitem circunscrever a informação sob todas as formas), são designados como metadados.
Atentemos numa situação específica: por acórdão proferido em 15.07.2020 foi um arguido condenado na pena de 6 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes. Este arguido interpôs recurso extraordinário de revisão do referido acórdão, com fundamento no disposto do artigo 449.º, n.º 1, alíneas e) e f), para tanto invocando que o tribunal fundamentou tal condenação, apenas e tão só, nas interceções telefónicas estabelecidas entre o aqui recorrente e dois outros arguidos e que, como esta prova foi conseguida através da interceção dos números de telefone ou imei´s dos arguidos, cujos dados foram fornecidos pelas operadoras telefónicas que os tinham armazenados e aqueles não foram notificados de que esses dados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, configura um meio proibido de prova, face ao teor do supramencionado acórdão do Tribunal Constitucional.
A questão que impõe esclarecer é a de saber se as referidas interceções de conversas telefónicas e sms, que atingiram o ora arguido recorrente, foram obtidas com recurso aos apelidados “metadados”.
Entendeu o Tribunal de recurso que o acesso das entidades policiais – judicialmente autorizado ao abrigo dos artigos 187.º, 189.º e 269.º, n.º 1, alínea e) do CPP – estendeu-se aos elementos necessários para a realização de interceções telefónicas para recolha de elementos de prova em tempo real e para o futuro. Ora, na medida em que o tribunal motivou a condenação do ora arguido e condenado nessas interceções e seu conteúdo, as quais foram obtidas pelas autoridades policiais em tempo real e imediato, concluiu o Tribunal que as mesmas não são prova proibida. Na verdade, não foram solicitados quaisquer dados que tenham sido anteriormente armazenados e preservados, estes últimos abrangidos pelas normas julgadas inconstitucionais pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022 – artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com os artigos 6.º e 9.º da mesma lei.
Deste modo, improcedeu o fim pretendido com o recurso interposto, dado que as provas a que o tribunal atendeu na sua motivação não constituem prova proibida nos termos alegados pelo recorrente.
Dra. Delfina Rita Mendes
Dra. Helena Alves de Sousa