Para quem já tem a marca registada há muitos anos, o aparecimento de uma marca parecida com a sua constitui um factor que pode seriamente e de maneira ilegitima destruir o goodwill da empresa e a sua própria carteira de clientes. Esta situação pode ocorrer, ao contrário do que muitos pensam.
Por outro lado, para aqueles que pretendem registar novas marcas é importante que adotem marcas diferentes das já existentes, pois, só assim poderão ser únicas no mercado e virem a ser retidas na memória dos respetivos consumidores.
Por conseguinte, a questão de uma marca ser parecida ou confundível com outra é extremamente importante no dia-a-dia das empresas, seja em Portugal, seja em qualquer outro país. O fluxo de novos pedidos de marcas é, deveras, um sinal inequívoco do dinamismo empresarial de cada país.
Na verdade, a entrada de novos agentes económicos e o lançamento de novos produtos ou serviços, com novas marcas, é uma realidade quotidiana e fruto da concorrência, pedra angular de qualquer economia de mercado. O registo de novas marcas é, neste enquadramento, o passo inicial mais seguro na maioria destas situações.
Em face disto, o surgimento de novos conflitos relacionados com marcas é uma realidade mais frequente do que se imagina e que diariamente ocorre em qualquer país.
Neste seguimento, no final de 2020, a empresa alemã Mylan healthcare gmbh, que tinha apresentado um pedido de registo de marca, em Portugal, com a designação “BRUFENON”, foi informada que o seu pedido tinha sofrido uma Reclamação. A empresa Bene farmacêutica, Lda opôs-se àquele pedido, reclamando com base nas suas marcas já registadas “BEN-U-RON”. Já em setembro de 2021, o INPI veio a entender que, entre as marcas “BRUFENON” e “BEN-U-RON”, “não ressaltam semelhanças gráficas, fonéticas, figurativas ou outras suscetíveis de gerar o risco de confusão ou de associação” e, por isso, recusou aquela Reclamação e concedeu o registo da “BRUFENON”. A situação não terminou, no entanto.
Pois, a Reclamantei1, não satisfeita, recorreu para o Tribunal da Propriedade Intelectual, defendendo que a marca solicitada era uma imitação das suas marcas. Este Tribunal de primeira instância veio entretanto a aceitar aquele recurso, dando razão à Bene Farmacêutica, Lda e à BeneArzneimittel GmbH e considerando a marca “BRUFENON” e “BEN-U-RON” semelhantes ou confundíveis – revogando a decisão de concessão do INPI.
E porque a Requerente, MYLAN HEALTHCARE GMBH, também não ficou satisfeita com esta decisão, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, competente nesta matéria.
É interessante observar que, entre outros argumentos apresentados por esta empresa, salienta-se o facto de a Mylan ser titular da marca registada BRUFEN e que é também uma marca notória em Portugal, registada desde 1970. A marca pedida “BRUFENON“ é, em termos práticos, a marca BRUFEN acrescida de “ON””.
Para além disso, a MYLAN contestou ainda o julgamento realizado quanto à imitação das marcas, considerando ter havido “alguma desatenção no juízo comparativo levado a cabo”. A este propósito e com particular relevância, o facto de já ter havido, previamente, um procedimento cautelar acerca dos mesmos factos, e os Tribunais de primeira e segunda instância já tinham procedido à comparação das mesmas marcas. Tendo ambos sentenciado que a marca solicitada BRUFENON não era uma imitação nem infringia as marcas da empresa Bene Farmacêutica, Lda.
Com base nestes últimos argumentos, o Tribunal da Relação de Lisboa veio a considerar, pois, que “o risco de fácil indução do consumidor em erro de confusão ou associação foi minuciosamente analisado no procedimento cautelar e totalmente rejeitado quer pelo TPI, quer pelo TRL nas suas decisões com autoridade de caso julgado material”.
Em face disto, este Tribunal de segunda instância considerou que a sentença do Tribunal de Propriedade Intelectual tinha infringido a lei, em particular o disposto nos artigos do Código da Propriedade Industrial, determinando em consequência a revogação da primeira sentença e substituindo-a por outra que concedeu o registo da marca nacional BRUFENON.
Em resumo, esta situação é um exemplo paradigmático como até os próprios orgãos judiciais podem ter opiniões distintas – legítimas mas sempre questionáveis – quanto ao que podem ser marcas confundíveis ou semelhantes. Como vimos, até os próprios orgãos judiciais, numa fase inicial, num procedimento cautelar prévio, tinham tido um dado entendimento (marcas não confundíveis) mas depois no chamado “processo principal”, esse entendimento, na primeira instância, já não foi o mesmo, embora depois a última instância judicial tenha recusado definitivamente que as marcas fossem confundíveis.
Em conclusão, numa comparação entre marcas existe sempre um grau de subjectividade muito elevado – apesar dos diversos critérios adotados – o que vem realçar a complexidade desta matéria e ainda a importância de um trabalho técnico prévio que prepare argumentos convincentes e válidos, capazes de convencerem validamente os julgadores, sem margens para dúvidas. Tudo irá depender de cada caso e de muitas circunstâncias que envolvem a situação. No caso em apreço a notoriedade prévia da marca BRUFEN ajudou consideravelmente neste convencimento e na decisão final da situação.
– Mas e se fosse o prezado leitor a apreciar esta situação, o que acharia, as marcas “BRUFENON” e “BEN-U-RON” são parecidas ou semelhantes? Seria um gosto que partilhasse connosco a sua opinião!
Mário Castro Marques
AforIP
1 Em rigor, fazemos notar que, em termos processuais, o Recurso foi interposto pela empresa Bene Farmacêutica, Lda e ainda alemã BeneArzneimittel GmbH, titular da marca europeia BEN-U-RON.