Segundo o acórdão do dia 14 de julho de 2022, do processo 150/21.0T8AVR.P1.S1, o Supremo Tribunal de Justiça nega a revista, confirmando o acórdão recorrido. Aborda, esta decisão, sobre as matérias da justa causa de despedimento, dever de lealdade e de despedimento ilícito.

Efetivamente, constitui causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Recorre-se a critérios de razoabilidade, exigibilidade e proporcionalidade para atender à gravidade dos factos e à culpabilidade do trabalhador.

Na verdade, exige-se que o trabalhador se exima de praticar qualquer comportamento que seja suscetível de colocar em crise a relação de confiança que deve pautar as suas relações com os empregadores. Isto poderá ser demonstrado pelo tipificado na alínea f) do número 1 do artigo 128º que realça um dever de honestidade.

A 4 de janeiro de 1999 foi o Autor deste processo admitido ao serviço da Ré para exercer as suas devidas funções. Em virtude de uma intervenção cirúrgica em finais do ano de 2016, fica o trabalhador impedido de trabalhar, entregando à sua empregadora, durante os 6 meses seguintes certificados de incapacidade, justificando a sua ausência. Regressa às suas funções em junho de 2017 e passado 2 dias volta novamente a apresentar certificado de incapacidade temporária para o trabalho, com fundamento em doença natural. Desde então, não presta mais atividade laboral, apresentando sucessivamente declarações médicas justificavas para a sua ausência.

Neste seguimento, importa destacar que a doença incapacitante para a atividade profissional constante nos certificados que ia entregando o Autor só estaria autorizado a sair da sua habitação para tratamento. Todavia, anos mais tarde, em meados de 2020, e sem a devida autorização, o Autor sofre um acidente, culminando em lesões na zona do torax e da cabeça pois, à data do acidente, o trabalhador encontrava-se nas instalações da sociedade onde o seu filho prestava atividade. Atendendo ao sucessivo, nos inícios do ano de 2021, a Ré aplica sanção disciplinar de despedimento com justa causa, sem indeminização ou compensação.

Na verdade, para ocorrer uma justa causa de despedimento tem de se verificar uma infração disciplinar (comportamento ilícito e culposo do trabalhador), impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho e, por último, um nexo de causalidade entre o comportamento e a impossibilidade referida.

Decide, a primeira instância, a favor do trabalhador, afirmando a inexistência de infração disciplinar, julgando o despedimento ilícito. Ao invés do tribunal da relação, que suporta existirem motivos para uma infração disciplinar, contudo, na sua análise afasta a existência de justa causa de despedimento por não se verificar o segundo elemento do regime em causa e que tem que se verificar, como supramencionado: a impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho.

Questiona-se perante o exposto se as declarações médicas relativas à justificação de faltas são falsas nos seus pressupostos ou declarações. Ora, efetivamente as faltas, como observado, aparentam estar devidamente justificadas através dos certificados de incapacidade. Para que se considerem falsas declarações sobre as justificações é necessário que o trabalhador falsifique intencionalmente os factos, iludindo o empregador colocando em crise as relações de confiança e de lealdade inerentes a um contrato de trabalho. Não pertencendo os certificados ao trabalhador não há elementos para aferir a falsidade da incapacidade.

A grande questão que se coloca é que o acidente ocorrido na sociedade, em que o seu filho trabalhava, situa-se no período em que o autor devia se encontrar no seu domicílio. O autor violou a obrigação de se abster dum comportamento que a sua empregadora confiava que não acontecesse, perante o que o autor lhe comunicou. Coloca-se em causa a boa-fé das relações laborais.

Posto isto, e esperando a empregadora um determinado comportamento do trabalhador quebra-se a já referida relação de confiança pois o trabalhador sofre o acidente não estando, por exemplo, num serviço hospitalar ou a tratar dos seus assuntos pessoais fundamentais à sua vida em sociedade que poderiam ser suscetíveis de diferentes análises.

Em suma, o dever de lealdade do trabalhador foi violado culposamente. A sua conduta é em si censurável não descartando o facto da longa relação laboral que o trabalhador mantinha com a entidade patronal.

 

 

Dra. Delfina Rita Mendes

Dr. Gonçalo Castanheira dos Santos