Foi proferido no dia 30 de junho de 2022, pelo Supremo Tribunal de Justiça, um acórdão que veio uniformizar jurisprudência no sentido de que às prestações devidas no âmbito de um contrato de mútuo bancário, com um empréstimo para compra de habitação a trinta anos, se aplica o prazo prescricional de cinco anos, previsto no artigo 310º, alínea e) do Código Civil, aplicando-se igualmente este prazo prescricional no caso de vencimento antecipado das prestações em dívida por força da perda do benefício do prazo resultante do incumprimento do plano de pagamento acordado.

No caso vertente, estava em causa um contrato de mútuo, no âmbito do qual ficou acordado que a amortização do capital mutuado seria pago em prestações mensais compostas por capital e juros. Ora, por força do disposto no art. 310º, al. e) do CC, o prazo de prescrição desse tipo de obrigações híbridas é de cinco anos. Sucede que, perante o incumprimento do plano de pagamento pelos mutuários, o credor tem o direito a exigir o pagamento da totalidade da dívida, porquanto, estabelece o art. 781º do Código Civil que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”. Com efeito, teve lugar a perda do benefício do prazo e o consequente vencimento antecipado de todas as prestações em dívida.

A questão a que o Tribunal tinha de responder era a de saber se o vencimento antecipado da totalidade da dívida, por força do qual ficou sem efeito o plano prestacional acordado, voltando os valores em dívida a assumir em pleno a sua natureza de capital e juros, altera o seu enquadramento em termos de prescrição, ou seja, se deixa de aplicar-se o art. 310º/e) do CC, nos termos do qual o prazo de prescrição é de cinco anos, passando a aplicar-se o disposto no art. 309º CC, por força do qual o prazo de prescrição é de vinte anos.

Entendeu o Tribunal que a transformação da dívida por efeito do vencimento antecipado e a sua imediata exigibilidade, não retira da obrigação a sua natureza de reembolso fracionado de dívida. Outrossim, configura-se a dívida como acumulação das quotas de capital por perda do benefício do prazo, preservando-se a aplicação do prazo prescricional quinquenal, a contar do vencimento por incumprimento.

Chegou o STJ a este entendimento por apelo à “ratio legis” do instituto da prescrição a curto prazo. Foi intenção do legislador, e assim constatou o Tribunal, evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida, derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros. Numa situação destas, a exigência do pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor e foi precisamente isso que o legislador quis prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito.

Com efeito, a razão que justifica a prescrição dos juros decorrido o prazo de cinco anos, tem igual cabimento, no caso do referido pagamento fracionado, não obstante a restituição do capital mutuado possa corresponder a uma obrigação unitária.

A jurisprudência fixada pelo presente acórdão poderá ter significativas repercussões num fenómeno a que se tem assistido nos últimos anos, a saber: as instituições financeiras têm reduzido a atividade de recuperação de crédito e privilegiado, em lugar da cobrança, a transmissão do crédito a terceiros, sendo depois estes a promover a recuperação dos créditos há muito vencidos. Sendo aplicável o prazo de prescrição de cinco anos à totalidade da dívida em caso de vencimento antecipado por incumprimento do mutuário, ficará o mutuante com o ónus de promover pela recuperação do crédito num lapso temporal muito mais reduzido do que os vinte anos do prazo ordinário de prescrição, o que estimula a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito e, em “ultimo ratio”, fomenta a segurança no comércio jurídico.

 

Dra. Delfina Rita Mendes

Dra. Helena Alves de Sousa