Quando se recorre ao crédito, a instituição financeira procura assegurar que a quantia mutuada será reembolsada. Para isso, pode exigir ao mutuário do crédito que preste garantias.
No crédito à habitação, as instituições financeiras solicitam normalmente que o mutuário dê como garantia o próprio imóvel que, desta forma, fica hipotecado a favor da instituição mutuante. Acontece que, na esmagadora maioria dos casos, as instituições financeiras não celebram o contrato de mútuo sem, para além da hipoteca, ter sido também estipulada a fiança.
A fiança é uma garantia pessoal típica, disciplinada nos artigos. 627.º a 655.º do Código Civil (doravante, CC). É um vínculo jurídico através do qual um terceiro se compromete pessoalmente perante o credor a concretizar uma prestação do devedor, ou seja, este garante com o seu património pessoal o cumprimento da obrigação do devedor, caso este não cumpra a obrigação a que está adstrito.
O credor passa, então, a ter dois patrimónios como garantia, o do devedor e o do fiador, uma vez que se adiciona à garantia patrimonial que incide sobre o imóvel do devedor, uma outra garantia que incide sobre os bens do fiador.
O fiador é, portanto, um verdadeiro devedor do credor, na medida em que tem um dever perante este, mesmo que a sua função seja apenas a de garantir que a prestação do devedor principal é cumprida. No entanto, a sua obrigação é acessória, por o fiador ser apenas um garante da obrigação do devedor. Temos então uma obrigação principal, que vincula o credor e o devedor e a assegurar o cumprimento, uma obrigação acessória, à qual fica adstrito o fiador.
Relativamente à forma, diz o n.º 1 do art. 628.º que a declaração de prestação de fiança deverá revestir a mesma forma da exigida para a obrigação principal. O legislador estabeleceu, neste aspeto, uma equiparação da fiança à obrigação principal, não vigorando aqui a regra da liberdade da forma prevista no art. 219.º do Código Civil. Ademais, impõe-se que declaração de vontade do fiador em realizar a prestação do devedor em caso de incumprimento seja expressa, isto é, tem de resultar diretamente da declaração do fiador.
No que concerne ao alcance dos requisitos previstos na supramencionada norma, o Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão datado de 28-06-2022 (disponível em www.dgsi.pt), foi confrontado com a questão de saber se a mera assinatura de um contrato de empréstimo com hipoteca, a seguir aos dizeres “parte fiadora”, traduz ou não uma declaração de vontade expressa de prestação de fiança, à qual respondeu negativamente. E fundamentou essa decisão nos termos seguintes:
- Aplicando o critério do art.º 217/1 à declaração do fiador, dir-se-á que a mesma tem de ser exteriorizada através de um meio direto, por palavras, por escrito ou qualquer outro meio frontal e imediato de expressão de vontade, não satisfazendo o requisito legal a declaração de prestar fiança cujo sentido se depreende “a latere” de factos concludentes.
- Deste modo, visa-se evitar que uma pessoa fique vinculada por uma fiança que poderá não ter querido prestar, atenta a gravidade e o perigo desta garantia. A lei pretende que o efeito da fiança – ser fiador – só incida sobre aquele que, querendo-o, o revelou diretamente, não permitindo que essa qualidade seja imputada a quem teve em vista diretamente um efeito diverso, ainda que objetivamente, esteja associado a esse efeito, “a latere”, a possível vontade de afiançar.
- Para concretizar o aludido propósito, existem certos elementos ou dados que devem constar da declaração e sem os quais a mesma não pode valer como declaração de fiança, a saber: a declaração do fiador deve identificar a dívida garantida, o devedor, o credor e o tempo de vinculação.
- Ora, a subscrição do contrato de empréstimo com hipoteca em que apenas surge uma assinatura a seguir a “parte fiadora”, não se traduz numa declaração de vontade da pessoa que assinou de prestar fiança capaz de satisfazer os requisitos previstos no n. º1 do artigo 628.º do CC, na medida em que não só não é identificada a dívida garantida (o fiador ficaria sem saber o que é que garante), como também não há qualquer indicação acerca da duração da garantia (o fiador ficaria sem saber durante quanto tempo é que ficaria vinculado a aguardar a fase do exercício da garantia),
À luz do que foi dito, concluiu o Tribunal que, exigindo a lei que a declaração, para além de ser reduzida a escrita, seja expressa, a intervenção de quem assina documento onde se menciona a sua participação como fiadora no contrato que dele consta, não traduz uma declaração tácita de prestação de fiança que seja válida; melhor, embora possa traduzir uma declaração tácita de fiança, não pode ser aceite com essa eficácia por a lei exigir para tal uma declaração expressa. E não é uma declaração escrita expressa porque do documento não constam palavras escritas imputadas à pessoa que assinou que tenham o necessário e adequado significado de assunção, por ela, de uma obrigação nos termos descritos no citado nº 1 do art.º 628º do CC.
Dra. Delfina Rita Mendes
Dra. Helena Alves de Sousa