São diversos os motivos que podem estar na origem de um divórcio, desde as graves violações dos deveres conjugais até ao simples facto de o projeto de vida comum dos cônjuges já não o (ou os) realizar plenamente. Independentemente da razão que leve um cônjuge a decidir-se pelo divórcio, a culpa foi eliminada do divórcio, deixando de existir um “cônjuge culpado” e um “cônjuge inocente”.
No nosso ordenamento jurídico são duas as modalidades do divórcio: o divórcio por mútuo consentimento e o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.
No que à primeira modalidade concerne, como a própria designação o indica, trata-se de um divórcio por mútuo acordo entre os cônjuges, tendo-se verificado uma evolução legislativa quanto aos seus pressupostos. Até 2008, quando os cônjuges se queriam divorciar, estando de acordo quanto ao próprio divórcio, tinham ainda de estar de acordo em relação a três outras matérias, a saber: à eventual prestação de alimentos, ao destino da casa de morada de família e à forma de exercício das responsabilidades parentais, existindo filhos menores e quando não tenha havido previamente regulação judicial.
Estes três acordos deveriam acompanhar o pedido de divórcio, se tal não acontecesse ou se os acordos não fossem considerados razoáveis, o pedido de divórcio por mútuo consentimento era simplesmente indeferido e os cônjuges não se podiam divorciar. Hoje, mesmo que os cônjuges não estejam de acordo sobre nenhum destes pontos, têm uma alternativa, a de apresentar o pedido de divórcio junto do tribunal, cabendo então ao juiz decidir – art. 1778.º-A do Código Civil. O mesmo acontece se tiverem apresentado o pedido ao conservador e este ou o Ministério Público entenderem que os acordos não são razoáveis. Em termos práticos, a inexistência de acordo deixou de ser fundamento para o indeferimento, pois basta o simples facto de se quererem divorciar para a lei garantir que tal aconteça. Continua no entanto a exigir-se a apresentação de uma relação especificada de bens comuns, podendo os cônjuges juntarem acordo sobre partilha (art. 272.º-A, n.º 2, Código do Registo Civil).
A modalidade de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges foi introduzida com a Lei n.º 61/2018 e corresponde ao anterior divórcio litigioso. A designação escolhida denota precisamente o propósito da lei, a aspiração de um processo que não agrave os conflitos e evite a devassa sobre os comportamentos conjugais. No entanto, este continua a ser um divórcio contencioso, ou seja, requerido por um dos cônjuges contra o outro, e é sempre judicial. Tem como fundamento qualquer facto que, “independentemente da culpa dos cônjuges, mostre a rutura definitiva do casamento” (art. 1781.º/d)), designadamente a separação de facto (alínea a)), a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge (alínea b)) e a ausência (alínea c)).
A separação de facto caracteriza-se por um elemento objetivo – a inexistência de comunhão de vida entre os cônjuges -, no entanto não basta este elemento, porquanto o dever de coabitação é revestido de grande plasticidade (por exemplo, podem os cônjuges não viver juntos por motivos de trabalho, mas queiram restabelecer a vida em comum quando as circunstância o permitirem), devendo também verificar-se um elemento subjetivo, que se traduz no propósito (da parte de ambos os cônjuges ou de um deles) de não restabelecer a vida em comum.
Quanto ao prazo de duração mínima de um ano, entendem a doutrina e a jurisprudência maioritárias que o prazo de um ano tem de ser contínuo, não se podendo somar separações interruptas, ou seja, uma reconciliação dos cônjuges inutiliza completamente o período de separação; além do mais, tem de haver uma separação completa e definitiva, não contam as “meias separações”. Controvertida é também a questão de saber se o prazo de um ano consecutivo de separação de facto tem de estar completamente decorrido à data da propositura da ação de divórcio, com fundamento na alínea a) do artigo 1781.º do CC, ou se o tempo decorrido na pendência dessa ação releva para efeitos do preenchimento do período de tempo de separação exigido por lei. A doutrina maioritária defende a primeira solução.
Relativamente à alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, para além de ter de durar há mais de um ano, têm de se encontrar preenchidos dois outros requisitos: a alteração das faculdades mentais tem de ser grave, e de tal maneira que comprometa a vida em comum, tanto no presente como no futuro. Neste tipo de situações estão em causa dois interesses conflituantes, a da preservação da saúde mental de um dos cônjuges e a de permitir ao outro libertar-se de uma situação difícil, tendo sido esta a opção da lei. No entanto, a lei tentou equilibrar os interesses em jogo, impondo ao cônjuge que pediu o divórcio uma obrigação de indemnização por danos não patrimoniais resultantes do divórcio – art. 1792.º/2 (designadamente, o agravamento do estado de saúde do outro cônjuge).
Quanto aos pressupostos da ausência sem notícias, para que esta possa fundamentar um pedido de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, são os seguintes: a ausência do outro cônjuge para local que não seja a casa de morada de família; que do cônjuge ausente não haja notícias, seja por parte deste ou de terceiros; a falta de notícias dure pelo período de, pelo menos, um ano consecutivo (ininterrupto). Assim, o cônjuge do ausente, após o decurso do prazo de um ano, contado desde a data das últimas notícias, pode obter o divórcio. Sendo o prazo de um ano consecutivo, qualquer notícia do ausente, por si ou terceiros, interrompe o prazo já decorrido, reiniciando-se a contagem de novo prazo.
A grande inovação da Lei n.º 61/2008, ao nível dos fundamentos de divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges, foi a introdução de uma cláusula geral objetiva na alínea d) do artigo 1781.º do CC, nos termos da qual é fundamento do divórcio qualquer facto que mostre a rutura do casamento.
Esta nova causa de divórcio suscitou muitas dúvidas e dificuldades de interpretação e delimitação do seu conteúdo por parte da generalidade da nossa doutrina, todavia, é um ponto assente que o começo de uma rutura não é suficiente, mas também não se exige um corte radical de relações. O que tem de haver é uma rutura a tal ponto que se mostre que o retorno não é possível e isso torna inexigível a subsistência do casamento.
Questão controvertida é também a da articulação entre a cláusula geral prevista na al. d) do art. 1781º e os fundamentos do divórcio previstos nas outras alíneas da aludida disposição legal. Fundamentalmente, está aqui em causa o problema de saber se a “rutura definitiva do casamento” a que alude a alínea d) do artigo 1781.º do CC pode ser demonstrada através da prova de quaisquer factos ou, ao invés, se os factos passíveis de integrar as restantes alíneas do mesmo preceito não podem ser considerados para esse efeito. A doutrina é praticamente unânime quanto ao entendimento de que, para caber na alínea d) têm de ser alegados e provados outros factos que não os suscetíveis de integrar as alíneas a) a c) do artigo 1781.º do CC.
Dra. Delfina Rita Mendes
Dra. Helena Alves de Sousa