A firma é o nome sob o qual os empresários exercem a sua atividade, por via da qual são individualizados no mercado. A firma visa, por um lado, dar a conhecer a espécie de empresário ou o tipo de sociedade a que respeita e, por outro, que cada uma se distinga da de outrem, sob o desiderato de individualizar o empresário no exercício da sua atividade. De modo a garantir que a firma prossiga efetivamente as aludidas funções, determinou a lei que na sua composição devem ser observados diversos princípios, de entre os quais se destaca o princípio da novidade (art. 33º do  DL n.º 129/98, de 13 de Maio), por força do qual alguém só pode escolher e adotar como firma um sinal ou conjunto de sinais que não impliquem cópia, total ou parcial, de firmas já protegidas ou que importem risco de associação/confusão, ainda que meramente hipotética com outras.

Atentemos numa situação específica. A Next Management LLC intentou uma ação declarativa de condenação contra a Next Models Lisbon – Agência de Modelos, Lda, pedindo que seja declarada a anulação da denominação social da ré, na parte em que integra os elementos NEXT MODELS, com as devidas e legais consequências, determinando-se que seja retirada de todos os sites e de todo e qualquer veículo promocional e de negócio, as palavras NEXT MODELS.

Perante a aludida situação, coloca-se a questão de saber se a adoção pela Ré da supramencionada firma constitui uma violação do princípio da novidade e se do mesmo resulta o risco de confusão entre as referidas empresas.

O Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se relativamente a esta questão, no seu acórdão de 07/07/2022, processo nº 40/16.8YHLSB.L1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), tendo considerado que, do conjunto de elementos de factos dados como provados resultou claro que a escolha desta firma pela Ré, se não foi intencional no sentido de aproveitar a imagem da Autora, permite essa associação por parte dos destinatários (seus clientes e outros interessados), o que redunda em a sua utilização ser um elemento que um sistema de concorrência assente na lealdade dos comportamentos dos concorrentes não tolera, por via da proibição ínsita no art.º 311.º do Código da Propriedade Industrial.

Vejamos sucintamente a sua fundamentação.

A Next Management LLC é uma agência de prestação de serviços de contratação e gestão de modelos fundada em 1989, sediada nos Estados Unidos, reconhecida internacionalmente como uma das agências de topo mais influentes no mercado, onde é mundialmente conhecida como NEXT MODELS, identificando-se abreviadamente pela expressão “NEXT”. Esta agência é conhecida mundialmente e na UE, na qual se inclui Portugal, tem contactos com o mercado português, tendo aqui contrato modelos e patrocina eventos de moda entre os quais um programa de TV transmitido a nível nacional em Portugal.

A Ré é uma sociedade que se constituiu após a Autora, em 2005 e com outra denominação (Victim Models Management – Agência de Modelos, Lda), tendo alterado a firma em 2010 para Next Models Lisbon – Agência de Modelos, Lda, e exerce o mesmo tipo de atividade da Autora.

Várias agências como a L’Agence, We Are Models, Karacter Agency e Central Models alertarem a Autora para existência da Ré e perguntarem se tinha aberto escritório em Lisboa.

Considerou o Tribunal que daqui se extrai que a autora tem diversos sinais distintivos da empresa e dos seus produtos que foram utilizados e/ou estão protegidos pelo direito da propriedade industrial desde datas anteriores ao registo da firma da Ré – tem inclusive registos de marcas concedidos desde 2003 (pelo menos duas) – nos quais o elemento dominante da marca (mas não exclusivo) é a palavra “next”.

A confundibilidade entre os sinais não exige que os sinais seja exatamente os mesmos, sob pena de não haver tutela possível senão nas hipóteses de imitação integral. Por isso o confronto deve efetuar-se com o conjunto dos elementos objetivos usados nos diversos direitos da propriedade industrial em comparação à luz do objetivo da tutela que lhe está associada. Havendo uma função de diferenciação de produtos e serviços inerente à tutela dos direitos da propriedade intelectual, se essa diferenciação está comprometida porque os destinatários não conseguem diferenciar as empresas e produtos, mesmo que os direitos são sejam iguais na sua apresentação ou em alguns dos seus elementos, é imperativo resolver o conflito com a atribuição e reconhecimento de direitos a quem melhor cumprir os objetivos determinados pelas normas aplicáveis. In casu, a tutela legal é claramente favorável á Autora.

No que se reporta à existência de violação do regime da lealdade da concorrência, concluiu o Tribunal que a Ré não tem razão quando pretende ver excluída a aplicação do art.º 311.º do Código da Propriedade Industrial com base na ideia de as empresas não atuarem no mesmo mercado porque o mercado em causa não é um mercado de fronteiras estanques e veio provado que a Autora tem atuação no mercado português, tendo sido advertida por empresas da especialidade do risco de associação entre a atividade da Ré e da Autora quando lhe perguntaram se abriu um escritório em Lisboa.

Posto isto, decidiu o Tribunal que havia risco de associação/confusão entre a atividade da Autora e da Ré, porquanto a utilização pela ré da supramencionada firma implicava que o consumidor médio as não conseguisse distinguir, o que, por sua vez, determinava a possível ocorrência de concorrência desleal entre elas.

 

Dra. Delfina Rita Mendes

Dra. Helena Alves de Sousa