A entidades de telecomunicações estão sujeitas ao dever de sigilo relativamente às comunicações eletrónicas e aos dados de tráfegos dos seus clientes, dever que decorre da Lei n.º 41/2004 por imposição do direito fundamental consagrado na Constituição. Por oposição, o artigo 417.º do Código do Processo Civil consagra o dever de cooperação das partes e de terceiros para a descoberta da verdade material. Contudo, nenhum dos deveres impostos são absolutos podendo um prevalecer face ao outro, em certa medida, e tendo em atenção a situação concreta em que surge o confronto.

 Os limites do dever de cooperação encontram-se, ab initio, no n.º 3 do preceito mencionado, sendo um deles a “Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”, previsto na alínea b). Ou seja, a recusa do cumprimento do dever de cooperação por parte das entidades de telecomunicações poderá, ou não, enquadrar-se no âmbito de aplicação desta norma, tratando-se, deste modo, numa recusa legitima.

Contudo, no entender do Venerando Tribunal da Relação de Évora no aresto datado de 12 de maio de 2022, o dever de sigilo deve sucumbir perante o dever de cooperação, uma vez que, no caso em apreço, a informação suscitada à entidade de telecomunicações prende-se com o fornecimento da morada, para efeitos de citação da ré, e não com nenhuma das situações abrangidas pelo dever de sigilo/confidencialidade – comunicações eletrónicas e/ ou dados de tráfego.

De facto, a prestação de informações relativamente à morada com vista à citação pessoal da Ré é pertinente e eficaz para um bom andamento da lide, mas, sem prejuízo de podermos estar a sobrevalorizar direitos fundamentos em face à boa administração da justiça, valor igualmente relevante, a solução do levantamento do dever de sigilo, nesta concreta situação, não nos revela adequada. A lei prevê outros mecanismos que nada obstam, bem pelo contrário, à citação regular do réu, com efeito a citação edital, que tem evidentes efeitos moratórios no processo, mas de modo algum ofende direitos fundamentais.

Um processo célere pode não ser um processo justo, principalmente quando a celeridade processual prevalece sobre direitos fundamentais constitucionalmente consagrados.

Dra. Marisa Simões

Dr. Félix Azevedo Monteiro