Um dos problemas crónicos enraizados na atividade dos nossos tribunais é o excesso de burocracia e morosidade na atribuição de uma resposta aos problemas. Ora, com o objetivo de combater a ineficiência da atividade jurisdicional, surgiu no nosso sistema o procedimento de injunção, que é um mecanismo simplificado que visa garantir uma decisão célere e, assim, acautelar os interesses das partes, o que se afigura indispensável para o bom funcionamento da vida prática.
A injunção traduz-se, em concreto, num procedimento que permite ao credor de uma dívida ter um documento (designado título executivo) que lhe possibilita recorrer a um processo judicial de execução para recuperar junto do devedor o montante que este lhe deve.
Após a apresentação do requerimento de injunção pelo credor, o eventual devedor é notificado desse requerimento e, se não se opuser ao mesmo, é emitido o referido título executivo. Caso se oponha, o processo é remetido para um tribunal.
No nosso ordenamento jurídico, o procedimento de injunção é aplicável a dois tipos de situações de especial importância, cada um com regras especiais no que concerne aos seus pressupostos específicos.
A primeira é a que se encontra referida no Decreto-Lei n.º 269/98, destinando-se a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância (15.000,00 €).
A segunda é a dos pagamentos efetuados como remunerações de transações comerciais, que sempre foi uma área pautada por uma certa precariedade de pagamentos. Para fazer face a esta problemática foi introduzido no nosso ordenamento jurídico o Decreto-Lei n.º 32/2003, que estabeleceu o regime especial relativo a atrasos de pagamento em transações comerciais, independentemente do valor da dívida, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, que manteve a disposição de que o atraso de pagamento em transações comerciais conferia ao credor o direito de recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
Atentemos numa situação específica: um empresário em nome individual, dedicando-se à atividade de empreiteiro de construção civil, celebra com outra pessoa singular que se dedica à construção de edifícios para revenda e arrendamento um contrato denominado pelas partes de empreitada, tendo por objecto a execução pelo primeiro dos trabalhos de construção de um edifício, composto por duas moradias. Ora sucede que o primeiro, através do recurso ao procedimento de injunção, requereu a notificação do segundo no sentido de lhe ser paga uma quantia em atraso, todavia este deduziu oposição, alegando que o imóvel cuja construção foi adjudicada não foi objecto de afetação a qualquer atividade económica ou profissional, pelo que, não estando em causa uma transação comercial, não era lícito o recurso ao procedimento de injunção
A questão que se coloca é a de saber o que se entende por transações comerciais, ou seja, que tipo de relações entre empresas entram no preenchimento deste conceito.
O Tribunal da Relação de Coimbra pronunciou-se relativamente a esta situação, no seu acórdão de 25/01/2022 (disponível em www.dgsi.pt), tendo considerado que “não basta que uma pessoa celebre uma transação que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração para ficar preenchido o conceito de empresa e para que essa transação seja qualificada como comercial.” É ainda necessário que essa pessoa atue enquanto organização no âmbito de tal atividade, o que implica que exerça uma atividade de forma estruturada e estável, que não se deve limitar a uma prestação pontual e isolada.
Posto isto, considerou o Tribunal que o contrato de empreitada em causa não foi um contrato entre empresas e, por isso, não é de considerar como transação comercial, porquanto “as circunstâncias em que o réu adjudicou ao autor a construção das moradias…e as circunstâncias em que decorreu tal construção não são próprias de alguém que se dedica à construção de imóveis para venda”, uma vez que, não só não foi o réu que adjudicou o contrato, como não foi ele que escolheu o empreiteiro, acompanhou a execução da obra, nem subscreveu o contrato de arrendamento, estando, na altura, emigrado na Alemanha, tendo sido representado, nos aludidos atos, por um terceiro.
Em consequência do exposto, o Tribunal concluiu que não se demonstrou que o réu se dedicava à construção de edifícios para venda, logo, o contrato de empreitada em causa não foi um contrato entre empresas e, por isso, não é de considerar como transação comercial para efeitos do Decreto-Lei n.º 32/2003.
Tudo analisado, decidiu o Tribunal que não era admissível exigir judicialmente ao réu o pagamento da quantia devida através da providência de injunção.
Dra. Delfina Rita Mendes
Dra. Helena Alves de Sousa