No âmbito do Direito Penal, o tema da violência doméstica merece destaque pelas piores razões, já que contribui em larga escala para as estatísticas sobre a criminalidade em Portugal e no mundo. Na verdade, este tipo de violência envolve a violência física, emocional, psicológica e/ou sexual, assim como, o isolamento social, intimidação, abuso económico entre muitos mais.  No nosso Código Penal esta matéria encontra-se tipificada no artigo 152º.

A Convenção de Istambul, de 11 de maio de 2011 no seu artigo número º3, alínea b) define violência doméstica como: “Violência doméstica abrange todos os atos de violência física, sexual, psicológica ou económica que ocorrem na família ou na unidade doméstica, ou entre cônjuges ou ex-cônjuges, ou entre companheiros ou ex-companheiros, quer o agressor coabite ou tenha coabitado, ou não, com a vítima;”

Trata-se, fundamentalmente de um crime de relação: o cônjuge ou o ex-cônjuge; a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente tenha mantido uma relação e namoro ou uma relação análoga aos dos cônjuges, ainda que sem coabitação, o progenitor descendente comum de 1º grau, e as pessoas particularmente indefesas em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez, que coabitam com o autor.”[1]

Quanto ao bem jurídico tutelado encontramos na doutrina várias definições como a “integridade física e psíquica, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual, assim como a honra. Para o Professor Taipa de Carvalho, a ratio do tipo legal está na proteção da pessoa individual e da sua dignidade humana, então deve dizer-se que o bem jurídico diretamente protegido é a saúde, que abrange quer a saúde física, psíquica e mental.

Tendemos a concordar que de facto o bem jurídico a proteger é o da saúde da vítima, pois o que está em causa neste tipo de crime não é a proteção da comunidade familiar, mas sim da própria pessoa ferida na sua individualidade e dignidade, desde logo porque se trata de um crime que pode ser cometido contra um ex-cônjuge.

Quanto ao tipo objetivo do ilícito, o professor Taipa de Carvalho define como um crime em que o agente tem uma determinada relação com a vítima, ou seja, namorado/a, é casado/a, ex-marido ou ex-mulher, etc., classificando-o como um crime específico, que na maioria das vezes é impróprio porque a relação, existente ou que existia, entre o agente e a vítima vai ser determinante para a agravação da ilicitude, da culpa e, consequentemente, da respetiva pena a aplicar. Mas, por outro lado, pode ser um crime específico próprio, pois a norma abrange os maus-tratos psíquicos reiterados.

Quanto ao tipo subjetivo de ilícito, é um crime que exige sempre o dolo e há dolo quando há conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo de ilícito o que se sucedeu no caso que ora expomos.

Segundo o acórdão do dia 12 de julho de 2022, do processo 386/20.0PBVIS.C1 o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou, ainda que parcialmente, a decisão do Tribunal de 1ª Instância. Tal recurso incide fundamentalmente sobre a matéria relativa à Violência Doméstica bem como a sua (ou não) agravação e o facto ter sido praticado no domicílio comum ou no domicílio da vítima.

Deste modo, e perante o crime de violência doméstica o arguido foi condenado pela prática como autor material, na forma consumada, a uma pena de prisão de dois anos e seis meses, suspensa na sua execução por igual período e ainda condenado a pagar, a título de danos não patrimoniais, uma compensação de três mil e quinhentos mil euros.

Releva-se, nesta senda, duas ordens de razão que podem levar à agravação deste tipo de crime: por um lado um grande aproveitamento da confiança e do sentimento de segurança por parte da vítima decorrente de estar numa posição de tranquilidade como estando no seu domicílio onde se inclui a área exterior por exemplo, e por outro lado o confinamento do espaço que não perde natureza pela circunstância de a ação, neste caso, ocorrer no pátio adjacente como se comprovou no caso concreto.

Isto porque, levantou-se a questão, no tribunal de 2ª instância, da não aplicação da agravação resultante da alínea a) do número 2 do artigo 152º do Código Penal. Ora, o arguido no recurso, erradamente, defende que as condutas que lhe são imputadas não ocorreram no lugar do domicílio da vítima, mas sim, no pátio e no jardim encontrando-se assim sem qualquer fundamento e aplicação o preceituado referido. Segundo o tipificado no artigo em questão caso o agente pratique o facto “no domicílio comum ou no domicílio da vítima” a moldura penal é agravada no seu limite mínimo.

Os factos apurados destacaram que a violência emocional exercida sobre a vítima ora no pátio, ora no jardim na habitação que havia sido casa de morada de família de ambos durante os 38 anos de casamento e que após o divorcio a ofendida continuou a residir, tem se como provados não existindo meios de fundamentação por parte do recorrente que possam pôr em causa o sucedido.

A atuação livre, voluntária e consciente do arguido que agiu com o propósito de provocar sofrimento psíquico e físico à ofendida, ofendendo-a na sua honra, reputação, saúde e integridade física, causando dor, tensão e fragilizando-a psiquicamente tem, como foi visto, de ser punido criminalmente.

[1] GARCIA, M. Miguez e RIO, J.M.Castela, Código Penal, Parte Geral e Parte geral e especial, nota 3., Artigo 152.º, EDIÇÕES ALMEDINA, S.A., 2014, p. 616

 

Dra. Delfina Rita Mendes

Dr. Gonçalo Castanheira dos Santos