No passado dia 13 de abril de 2022, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que é aplicável à impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa proferida em sede de procedimento de contraordenação laboral, prevista no artigo 33.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, o disposto nos artigos 107.º, n.º 5, 107.º -A, do Código de Processo Penal, e 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, por remissão dos artigos 6.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, e 104.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, praticar o acto fora de prazo, desde que seja praticado nos primeiros três dias subsequentes ao termo sob o pagamento de uma multa.
No caso em apreço, a ACT condenou o Réu em causa como autora de oitenta e seis contraordenações leves e negligentes, previstas e punidas pelo artigo 521.º, n.º 2 do Código do Trabalho. A arguida foi notificada da decisão condenatória da autoridade administrativa, tendo impugnado a decisão em causa, que foi julgada extemporânea a impugnação judicial, com fundamento na inaplicabilidade do disposto nos artigos 107.º-A do Código de Processo Penal e 139.º, n.º 5 do Código de Processo Civil. Sendo que, inconformados com a decisão, a Ré, interpôs recurso para o Tribunal da Relação, que foi julgado improcedente, tendo sido confirmada a decisão recorrida, decisão esta da qual a Ré interpôs recurso de uniformização de jurisprudência, no sentido de que, deverá ser determinada a fixação de jurisprudência no sentido do acórdão fundamento, isto é, que ao Regime Processual aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social é aplicável o regime processual do Código de Processo Penal, nomeadamente que a impugnação judicial pode ser apresentada nos três dias úteis posteriores ao término do prazo, mediante o pagamento da multa correspondente, fazendo-se uso legítimo do artigo 107.º -A, do CPP e do artigo 139.º, n.os 5 e 6 e 145.º, n. os 5 e 6, através da remissão legal imposta ou pelo artigo 6.º ou pelo artigo 60.º, do RPCOLSS.
O acórdão recorrido considerou que a impugnação judicial da decisão que aplicou a coima não pode ser apresentada nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mediante o pagamento de multa. O acórdão fundamentou esta decisão no facto de o artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 107/09, de 14 de setembro apenas remeter para as disposições constantes da lei processual penal referentes à contagem dos prazos, o mesmo sucedendo com a remissão contida no artigo 104.º, n.º 1 do Código de Processo Penal para as disposições da lei do processo civil. Mais, a remissão contida no referido artigo 6.º, n.º 1 não pode ser considerada como feita para o artigo 107.º, n.º 5 do Código de Processo Penal e 139.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, que não respeitam à contagem de prazos, mas sim à prática de atos fora do seu prazo legal e respetivas condições de admissibilidade, estabelecendo tais normas um regime privativo para os atos a praticar nos tribunais. O acórdão em causa também considerou que, a interposição de recurso da decisão da autoridade administrativa ainda integra a fase administrativa do processo de contraordenação, o recurso da decisão administrativa é apresentado na própria autoridade administrativa recorrida (artigo 33.º, n.º 2 da Lei n.º 107/09), que tem a faculdade de apresentar alegações, revogar total ou parcialmente a decisão ou apresentar os autos ao MP (artigo 36.º da Lei n.º 107/09), sendo que verdadeiramente os autos só entram na fase judicial com a apresentação dos autos ao juiz (artigo 37.º da Lei n.º 107/09). Além disso, o facto do artigo 33.º da Lei n.º 107/09, de 14 de setembro se encontrar inserido na Secção II do Capítulo, com a epígrafe “Fase Judicial” não afasta a natureza administrativa do prazo de interposição do recurso. Além disso, considerou que essa remissão deve ser interpretada como incluindo o anterior artigo 145.º do Código Processo Civil por remissão do artigo 107.º, n.º 5 do Código Processo Penal. Por fim, considerou que com tal remissão a lei afastou-se do artigo 60.º do RGCO e da natureza administrativa do prazo para dedução de impugnação judicial.
Portanto, temos aqui dois acórdãos que debatem duas ordens de argumentos, designadamente debatem contra a natureza administrativa da fase na qual se insere a impugnação judicial da decisão contraordenacional, afastar a aplicação de uma regra própria do processo judicial como a prevista nos artigos 107.º, n.º 5 e 107.º -A do Código Processo Penal e artigo 139.º do Código Processo Civil, a remissão prevista no artigo 6.º, n.º1 da Lei n.º 107/2009 não inclui o artigo 107.º, n.º 5 do Código Processo Pena e a remissão do artigo 60.º da Lei n.º 107/2009 para o RGCO, no qual não se prevê a aplicação de tal regra. Por outro lado, debatem a favor da remissão prevista no artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2009 dever ser interpretada como incluindo os artigos 107.º, n.º 5 e 107.º -A do Código Processo Penal e artigo 139.º do Código Processo Civil e a intenção do legislador em se afastar do modo de contagem de prazos previsto no artigo 60.º, n.º 1 do RGCO e da natureza administrativa do prazo de impugnação judicial.
Face a isto o STJ decidiu que é aplicável à impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa proferida em sede de procedimento de contra-ordenação laboral, prevista no artigo 33.º da Lei n.º 107/09 de 14 de setembro, o disposto nos artigos 107.º, n.º 5, 107.º -A do Código de Processo Penal e 139.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, por remissão dos artigos 6.º, n.º 1 da Lei n.º 107/09, de 14 de setembro e 104.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
Vejamos, segundo o entendimento constante do Acórdão n.º 5/2013, a dedução da impugnação judicial ainda se insere na fase administrativa, e o artigo 6.º n.º 1 da Lei n.º 107/2009, é -lhe aplicável, tendo ainda considerado que foi intenção do legislador afastar-se do regime geral das contra-ordenações e prever expressamente a aplicação do regime do Código de Processo contagem de prazos. Partindo, então, do pressuposto de que o artigo 6.º n.º 1 da Lei n.º 107/2009, se aplica ao prazo para dedução de impugnação judicial, pois o legislador referiu-se nessa norma à contagem dos prazos para a prática de atos processuais, importa agora apreciar o alcance da remissão aí contemplada, ou seja, se deve tal remissão ser interpretada de forma restrita como incluindo, apenas, o artigo 104.º do Código Processo Penal, nos termos em que o foi no acórdão recorrido ou, ao invés, deverá incluir também as normas dos artigos 107.º, n.º 5 e 107.º -A do Código de Processo Penal. Recorrendo aos elementos sistemático e atualista da interpretação, importa atender aos diversos regimes especiais contraordenacionais. Sem preocupação de exaustividade, note-se que uma parte substancial dos regimes contra -ordenacionais prevê expressamente que o prazo de impugnação judicial é contabilizado em dias úteis e/ou remete diretamente para o RGCO, sendo por isso aplicável este último diploma, relativamente ao qual não se discute a possibilidade da prática de actos nos três dias úteis subsequentes ao término do prazo.
O Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas recentemente aprovado pelo Decreto -Lei n.º 9/2021 de 29.01 prevê que o prazo é contínuo e a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal com as devidas adaptações, incluindo, consequentemente, a possibilidade da prática do acto processual nos três dias úteis subsequentes. Este diploma é aplicável às Infrações Antieconómicas e contra a Saúde Pública (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 28/84 de 20.01) e às Contra-ordenações previstas no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (artigo 204.º) e no Código da Propriedade Industrial (artigo 316.º, n.º 1). Com este Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas e da sua aplicação às infrações referidas, transparece a intenção do legislador em aproximar o regime jurídico de tais contra-ordenações às disposições processuais penais. Verificamos, assim, no que concerne às regras aplicáveis aos prazos para dedução de impugnação judicial e excluindo por agora a Lei n.º107/2009, que os regimes sectoriais agrupam-se em duas lógicas, um grupo em que se aplicam as normas dos prazos administrativos, contabilizando-se em dias úteis e sem aplicação das regras processuais penais e outro grupo em que se aplicam as regras dos prazos judiciais com a remissão para as regras do processo penal e, consequentemente, com a aplicação da possibilidade de praticar os actos nos três dias úteis subsequentes. Depois de analisada a evolução legislativa e a tendência manifesta do legislador em criar regimes quadro sectoriais no âmbito das contra -ordenações, deixando para o RGCO um papel cada vez mais de direito subsidiário, afigura -se, ainda, no que respeita ao procedimento contra-ordenacional laboral, que o legislador pretendeu uniformizar o regime aplicável aos prazos para a prática de actos nas várias fases do processo. Prevendo, apenas, uma exceção, o artigo 6.º, n.º 2 da Lei n.º 107/2009, relativo à não suspensão dos prazos nas férias judiciais na fase administrativa. Tal exceção encontra justificação no normal funcionamento das autoridades administrativas por contraposição aos tribunais durante o período das férias judiciais. Configurando essa previsão mais um indício para o intérprete de que o legislador quis mesmo efetuar uma remissão de conteúdo mais lato, pois se o legislador quisesse remeter, apenas, para o disposto no artigo 104.º do Código Processo Penal, tê-lo-ia dito, dado que tal norma existia à data da entrada em vigor da Lei n.º107/2009. Por outro lado, a interposição de recurso da decisão da autoridade administrativa, tal como resulta do artigo 33.º da Lei n.º 107/09, de 14 de setembro, encontra -se inserido na Secção II do Capítulo IV, com a epígrafe Fase Judicial. Uma interpretação restritiva da remissão prevista no artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2009, implicaria que as contra -ordenações laborais não se inserissem em nenhum dos subgrupos supra- referidos, constituindo um regime sui generis e criando incoerência no sistema pois que, os prazos administrativos não correm aos sábados, domingos e feriados e, consequentemente, a parte que deles beneficia dispõe de mais tempo para preparar o acto processual que pretende praticar. Os prazos judiciais correm de forma contínua, sendo por isso necessariamente mais curtos, mas as partes beneficiam da suspensão durante as férias judiciais, bem como da possibilidade de praticarem o acto nos três dias úteis subsequentes ao seu término mediante o pagamento de uma multa. O prazo administrativo para dedução de impugnação judicial em processo contra-ordenacional laboral, não seria contado nos termos gerais em dias úteis, mas sim de forma contínua, mas não beneficiaria da suspensão das férias judiciais, nem da possibilidade de praticar tal acto nos três dias úteis subsequentes. Se é certo que a não aplicação da suspensão das férias judiciais à impugnação judicial encontra fundamento no modo de funcionamento das autoridades administrativas — sem qualquer condicionamento durante o período das férias judiciais — já a não aplicação da possibilidade da prática do acto nos três dias úteis subsequentes ao seu término mediante o pagamento de uma multa criaria um tratamento diferenciado injustificado, com prejuízo manifesto para o exercício do direito de defesa do arguido em processo de contra -ordenação laboral, o que se nos afigura não ter sido o objetivo do legislador. Não vislumbramos, assim, qualquer fundamento para que no âmbito de um procedimento de contra -ordenação laboral o arguido visse o prazo para apresentação da sua defesa reduzido quando comparado com os demais prazos para impugnação judicial das decisões administrativas de outras autoridades, criando-se um regime híbrido e mais desfavorável. Deste modo, afigura-se-nos que a remissão prevista no artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2009 deve ser interpretada como incluindo, também, o disposto nos artigos 107.º e 107.º-A do Código de Processo Penal e, por remissão destes, o artigo 139.º do Código de Processo Civil, pelo que não se deverá convocar a aplicação do disposto no artigo 60.º da Lei n.º 107/2009 que remete para o RGCO, configurando-se ser esta a interpretação mais consentânea e conforme com as garantias de defesa previstas, designadamente, no artigo 32.º n.º 10, da Constituição da República Portuguesa.
Dra. Marisa Simões