Cada vez mais ouvida, a expressão “Time-sharing”, trata-se de um estrangeirismo, que, se traduzirmos à letra, significa “partilha de tempo”. Ora, com o galopante aumento no setor do turismo que o nosso país tem vivido, têm surgido os mais variados negócios para férias de longa duração que, simultaneamente, tem contribuído (em muito) para o dinamismo do mercado imobiliário. E é aqui que entra este (já não tão desconhecido) termo usado por tantas famílias como uma forma de ter uma casa de férias, pelo menos durante algum tempo ao longo do ano.

É aqui importante sublinhar que, “time-sharing” não é sinonimo de direito de propriedade. Ao invés, falando agora em termos mais corretos (e como o próprio nome indica – partilha de tempo, aquele que adquire este direito real de habitação periódica adquire a possibilidade de usufruir de uma casa, por um determinado período de tempo em cada ano e com todas as comodidades que esta tem para oferecer. Este direito será vitalício, a não ser que seja estipulado um prazo, no mínimo de um ano.

Trata-se de um direito real que está ligado a outros direitos reais de gozo como o usufruto e o direito de propriedade horizontal. Resumindo, este direito concede ao seu titular a faculdade de usar uma certa habitação integrada num empreendimento turístico durante um determinado período de tempo, em cada ano.

Prescreve o Art.º 1.º, do Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 Agosto que “Sobre as unidades de alojamento integradas em hotéis-apartamentos, aldeamentos turísticos e apartamentos turísticos podem constituir-se direitos reais de habitação periódica limitados a um período certo de tempo de cada ano.”

Apesar de a lei não definir o que seja o Direito Real de Habitação Periódica, retira-se do seu regime legal (Art.º 21.º do Regime Jurídico Da Habitação Periódica) que se trata de um direito real, podendo definir-se como “um direito real limitado de gozo sobre coisa alheia, que equivale na prática a um regime de propriedade fraccionada, não já por segmentos horizontais, mas por quotas-partes temporais”, sendo que “a faculdades essencial do titular desses direitos, caracterizadora do instituto, é a de habitar a unidade de alojamento durante o período de tempo anual estabelecido” (conforme acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Julho de 2003, Processo n.º 04B0749 e, no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 18 de Janeiro de 2007, Processo n.º50/06-3, acessíveis em www.dgsi.pt; na Doutrina, Prof. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2.ª edição, pág. 443).

Dispõe ainda o acima citado Art.º 21.º que o titular do direito real de habitação periódica tem as faculdades ali descritas, de que se destacam as de “Habitar a unidade de alojamento pelo período a que respeita o seu direito” (conforme alínea a)) e “Usar as instalações e equipamentos de uso comum do empreendimento e beneficiar dos serviços prestados pelo titular do empreendimento” (conforme alínea b)).

Recai sobre o proprietário do empreendimento os deveres de administração e conservação das unidades de alojamento objeto do direito real de habitação periódica, incluindo o equipamento e recheio, bem como das instalações e equipamento de uso comum (Art.º 25.º, alínea a) do mesmo diploma legal), competindo-lhe ainda assegurar a conservação e limpeza das mesmas unidades, respetivos equipamentos e mobiliário, de modo a manter um padrão “compatível com a classificação do empreendimento” (Art.º 26.º do supramencionado diploma legal).

A título de compensação pelas despesas suportadas pelo proprietário “com os serviços de utilização e exploração turística a que as mesmas estão sujeitas, contribuições e impostos e quaisquer outras previstas no título de constituição e a remunerá-lo pela sua gestão”, o titular do direito encontra-se obrigado a pagar anualmente uma prestação, nos termos do Art.º 22.º.

Resumindo, trata-se do direito de usar, por um ou mais períodos certos, em cada ano, para fins habitacionais, uma unidade de alojamento integrada num empreendimento turístico, mediante o pagamento de uma prestação periódica ao proprietário do empreendimento ou a quem o administre.

Relativamente ao período de utilização, este deve ser fixo, ou seja, é sempre o mesmo em cada ano e a sua duração é variável, de acordo com o disposto no Art.º 3.º do suprarreferido diploma.

Compete ao Instituto do Turismo de Portugal I.P. autorizar a exploração de um empreendimento turístico em regime de direito real de habitação periódica, sendo elencados no Art.º 4º do regime jurídico, os requisitos que o empreendimento deve satisfazer e que, consequentemente, devem de ser cumpridos.

Ambas as partes possuem direitos e obrigações estipulados por lei, sendo concedido ao adquirente deste direito a faculdade de renunciar e resolver o negócio jurídico, embora existam requisitos formais que têm que ser cumpridos, nomeadamente, os prazos.

Importa ter presente todos estes conceitos, estar atento e informado sobre este direito real antes de avançar, pois vários são os casos de litigio que surgem nos nossos tribunais e que versam sobre este tema, dado que, face ao desconhecimento, estabelecem relações jurídicas em que uma das partes aparenta estar em conformidade com a lei, quando na verdade apenas pretende obter uma vantagem ilegítima. Vejamos, a título de exemplo, o sufrago no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 700/10.7TBABF.E3.S1. de 17 de novembro de 2021:

“A fraude à lei traduz a ideia de um comportamento que, mantendo a aparência de conformidade com a lei, obtém algo que se entende ser proibido por ela.

A fraude à lei, em face da inexistência no nosso ordenamento jurídico de regra de índole geral que trate o conceito (para lá das referências, entre outras, nos arts. 21 n.º 2, 330 nº 1, 418 e 2067 todos do CCivil), obtém-se pela via da interpretação da lei e do negócio jurídico no sentido de as situações criadas para evitar a aplicação de regras que seriam aplicáveis são irrelevantes/ineficazes., 2020-08-30, p. 1586.

(…)

Existe fraude à lei quando para evitar o cumprimento das exigências legais estabelecidos no regime do direito real de habitação periódica e no das cláusulas contratuais gerais a ré celebra cm os autores um contrato de adesão a uma associação e em que, como direito dos associados por força dessa adesão passa a ser concedido o direito de utilização de determinadas suites em regime em tudo semelhante ao fixado no RGHP.

À fraude à lei, que determina por regra a nulidade total do contrato, não é aplicável o regime da redução do negócio jurídico previsto no art. 292 do CCivil que tem como exigências, para lá de ter de ser solicitada a nulidade (ou a anulação) parcial do contrato e existir vontade das partes no tocante ao ponto de redução, a invocação e prova por parte do interessado na redução dos factos de onde decorra a natureza meramente parcial da invalidade.” (Negrito nosso).

 

Dra. Delfina Rita Mendes

Dra. Sara Passos