No passado dia 28 de abril de 2022, proferiu uma decisão, em que estava em causa um pedido prejudicial que tinha por objeto a interpretação dos artigos 3.° a 5.° da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos. Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Federatie Nederlandse Vakbeweging (Federação dos Sindicatos Neerlandeses), uma organização sindical neerlandesa, à Heiploeg Seafood International BV e à Heitrans International BV, sociedades neerlandesas, a respeito da manutenção dos direitos dos trabalhadores afetos a estas sociedades na sequência de uma transferência de empresa quando o cedente foi objeto de um processo de insolvência.
Relativamente ao quadro juridico europeu, no que diz respeito à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimento, aplica-se a Diretiva 2001/23. Segundo, o considerando 3 desta diretiva, é necessário adotar disposições para proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário especialmente para assegurar a manutenção dos seus direitos. O artigo 1.º da mesma diretiva dispõe, no seu n.º 1, alíneas a) e b), que a presente diretiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão, sendo que “transferência”, para efeitos da diretiva aqui em causa, trata-se da transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória. Mais, o artigo 3.º da mesma, no seu n.º 1, primeiro paragrafo dispõe que os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são, por esse facto, transferidos para o cessionário. Para além disto, o artigo 4.º, paragrafo n.º 1 da diretiva consagra que a transferência de uma empresa ou estabelecimento ou de uma parte de empresa ou de estabelecimento não constitui em si mesmo fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário. Esta disposição não constitui obstáculo aos despedimentos efetuados por razões económicas, técnicas ou de organização que impliquem mudanças da força de trabalho. Por fim, o artigo 5.º da diretiva estabelece que, salvo determinação em contrário dos Estados‑Membros, os artigos 3.° e 4.° não se aplicam a uma transferência de empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento quando o cedente for objeto de um processo de falência ou de um processo análogo por insolvência promovido com vista à liquidação do seu património e que esteja sob o controlo de uma entidade oficial competente (que pode ser um administrador de falências, autorizado por uma entidade competente). Ademais, quando os artigos 3.° e 4.° se aplicarem a uma transferência no decurso de um processo de insolvência que tenha sido instaurado em relação a um cedente (independentemente do facto de tal processo ter ou não sido instaurado com o objetivo de proceder à liquidação do seu património), e desde que esse processo esteja sob o controlo de uma entidade oficial competente (que pode ser um administrador de falências, se determinado pela legislação nacional), o Estado‑Membro pode determinar que, sem prejuízo do n.° 1 do artigo 3.°, as dívidas do cedente decorrentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho pagáveis antes da data da transferência ou antes da abertura do processo de falência não sejam transferidas para o cessionário, desde que esse processo dê lugar, por força da legislação em vigor nesse Estado‑Membro, a uma proteção pelo menos equivalente à prevista para situações abrangidas pela Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador. Em alternativa, o cessionário, o cedente, ou a pessoa ou pessoas que exercem as funções do cedente, por um lado, e os representantes dos trabalhadores, por outro lado, podem acordar em certas alterações das condições de trabalho, na medida em que a legislação ou a prática em vigor o permitam, com o objetivo de salvaguardar as oportunidades de emprego através da garantia de sobrevivência da empresa, do estabelecimento ou da parte de empresa ou estabelecimento em questão. Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar o recurso abusivo a processos de insolvência de uma forma que retire aos trabalhadores os direitos previstos na presente diretiva.
No acórdão em apreço, as questões prejudiciais submetidas foram relativamente à interpretação do artigo 5.º, n.º 1 da mesma diretiva, se este artigo deverá ser interpretado no sentido de que o requisito que prevê, segundo o qual os artigos 3.° e 4.° desta diretiva não se aplicam à transferência de uma empresa quando o cedente for objeto de um processo de falência ou de um processo análogo de insolvência “promovido com vista à liquidação do seu património”, está preenchido quando a transferência da totalidade ou parte de uma empresa é preparada, antes da abertura de um processo de insolvência que visa a liquidação do património do cedente e no decurso do qual a referida transferência é realizada. O artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/23 distingue entre “cedente” e “empresa”, “estabelecimento” ou “parte de empresa ou estabelecimento” pertencentes ao referido cedente, há que distinguir a atividade económica global do cedente das atividades individuais das diferentes entidades que figuram entre os seus bens a liquidar. Resulta da redação do artigo 5.º, n.º 1 da Diretiva 2001/23 que o âmbito de aplicação desta disposição, e em consequência da derrogação que prevê, não se limita às empresas, estabelecimentos ou partes de empresas ou estabelecimento cuja atividade tenha cessado definitivamente antes da cessão ou posteriormente a esta. Assim, o artigo 5º, n.º 1, uma vez que prevê que os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência não são transferidos para o cessionário quando os requisitos fixados nessa disposição estiverem preenchidos, implica que uma empresa ou uma parte de empresa ainda em atividade deve poder ser cedida beneficiando da derrogação prevista na referida disposição. Ao proceder deste modo, a Diretiva 2001/23 previne o risco de que a empresa, o estabelecimento ou a parte de empresa ou estabelecimento em causa se depreciem antes de o cessionário retomar, no âmbito de um processo de insolvência iniciado com vista à liquidação do património do cedente, uma parte dos ativos e/ou das atividades do cedente consideradas viáveis. Esta derrogação visa assim afastar o risco sério de uma deterioração, no plano global, do valor da empresa cedida ou das condições de vida e de trabalho da mão‑de‑obra que seria contrária aos objetivos do Tratado. Esta interpretação do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/23 não é posta em causa pelo facto de a transferência de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, realizada no decurso de um processo de falência ou de um processo análogo por insolvência promovido com vista à liquidação do património do cedente, ter sido preparada antes da abertura desse processo, uma vez que esta disposição não visa o período anterior à abertura dos processos de falência ou de insolvência em causa. Esta conclusão é corroborada pelo n.° 2 deste artigo 5.°, do qual resulta claramente que as exceções que prevê visam os casos em que os artigos 3.° e 4.° desta diretiva se aplicam a uma transferência realizada no decurso de um processo de insolvência instaurado em relação a um cedente.
Por fim, quanto à segunda questão prejudicial, consiste no fundo se o artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que o requisito que prevê, segundo o qual os artigos 3.° e 4.° desta diretiva não se aplicam à transferência de uma empresa, de um estabelecimento ou de uma parte de empresa ou estabelecimento quando o processo de falência ou o processo de insolvência análogo de que é objeto o cedente “está sob o controlo de uma entidade oficial competente”, está preenchido quando a transferência da totalidade ou parte de uma empresa é preparada no âmbito de um processo anterior à declaração de insolvência, sendo o acordo sobre essa transferência celebrado e executado após a declaração de insolvência que visa a liquidação do património do cedente. O Tribunal de Justiça Europeu respondeu a esta questão, afirmando que o artigo 5.º, n.º 1 da diretiva em causa, deve ser interpretado no sentido de que o requisito aqui em questão, está preenchido quando a transferência da totalidade ou parte de uma empresa é preparada, no âmbito de um processo anterior à declaração de insolvência e que o acordo sobre essa transferência é celebrado e executado após a declaração de insolvência que visa a liquidação do património do cedente, desde que esse processo seja enquadrado por disposições legislativas ou regulamentares.
Dra. Delfina Rita Mendes