No passado dia 17 de março de 2022 o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu um acórdão onde abordou, em termos gerais, uma temática bastante litigiosa: defeitos de construção e o direito (ou a sua ausência) do dono da obra à sua correção.

No caso em apreço, o Condomínio (representado por alguns dos seus condóminos) instaurou uma ação contra a Sociedade que procedeu à construção do prédio. No essencial, alegaram que a Ré construiu o prédio, tendo os autores adquirido à primeira, determinadas frações autónomas desse prédio, sendo que aquando da amostragem e negociação das respetivas frações, os autores aperceberam-se imediatamente que o acesso aos lugares de garagem do piso “- 2” seria extremamente difícil, arriscado e nada prático para automóveis ligeiros e familiares de dimensões comuns, devido à inclinação excessiva, ângulo curto e piso escorregadio.

A Ré, reconhecendo a existência do vício ou desconformidade, prontamente aceitou e comprometeu-se a resolver. Porém, pese embora as intervenções realizadas pela Ré, o problema de acesso ao piso “- 2” do prédio subsistiram, sendo que a Ré refere não ser possível melhorá-lo. Ademais, os Autores referiram, ainda, que nunca utilizaram os parqueamentos para o fim a que se destinam e, neste seguimento, têm sofrido incómodos, pelo que não viram outra solução que não avançar com a presente ação.

Na 1.ª instância, o Tribunal julgou a ação parcialmente procedente, considerando, deste modo, improcedente a exceção, alegada pela Ré, de caducidade dos direitos dos autores. Não conformada com tal desfecho, a Ré recorreu, o que deu origem ao acórdão ora sob análise.

No que toca à matéria de direito que subjaz a esta situação, o direito de exigir que a prestação defeituosa, imperfeita ou inexata seja retificada ou substituída está sujeita a prazos. Assim, devemos atender a 3 prazos essenciais:

  • prazo de garantia (o defeito deve manifestar-se dentro do prazo de garantia);
  • prazo de denúncia dos defeitos (o credor tem o ónus de comunicar o defeito ao devedor dentro do prazo de denúncia); e,
  • prazo de exercício dos direitos à reparação, ou substituição da coisa (se o devedor não reparar nem substituir a coisa, o credor tem o ónus de propor a ação de reparação ou substituição dentro do prazo de exercício).

No que toca ao prazo de garantia, para além dos previstos no art. 5º, o art. 5º-A do DL 67/2003 prevê dois prazos adicionais cujo não cumprimento acarreta a perda dos direitos do consumidor. Deste modo, e no que interessa para o presente caso, o primeiro prazo respeita à denúncia da falta de conformidade do bem, caducando os direitos do consumidor se esta não for efetuada dentro dos prazos previstos no n.º 2 do art. 5º-A: de 2 meses para os móveis e, de 1 ano para os imóveis.

A finalidade essencial do instituto da denúncia é comunicar ao vendedor que o bem padece de desconformidade com o estipulado no contrato, decorrendo daqui que, será desnecessária no caso de o vendedor houver reconhecido a falta de conformidade.

Neste seguimento e apoiando-se na doutrina que afirma que “Este princípio, embora não se encontra expressamente consagrado no DL 67/2003, está abrangido no espírito do regime e resulta da razão de ser da exigência de denúncia”,  o Tribunal de Recurso considerou que, sendo certo que resulta dos factos provados que, logo antes da celebração dos contratos de compra e venda das frações, a ré aceitou e reconheceu que a rampa de acesso ao piso “-2” era inadequada, então, daqui só se pode concluir que os autores não tinham de denunciar à ré os vícios de construção que impedem o acesso às garagens do piso menos dois. E, por conseguinte, não pode ter-se como caducado o direito dos autores por via da “não denúncia” dos vícios da coisa(negrito nosso).

Ademais, o Tribunal de recurso abordou ainda o prazo de exercício dos direitos, já que a caducidade invocada pela Ré na presente ação diz respeito a este.

A lei impõe ao consumidor um prazo para exercer judicialmente os direitos de reparação do bem, substituição do bem, redução do preço e resolução do contrato, no art. 5º-A/3 do DL 67/2003, de 3 anos se se tratar de coisa imóvel, contados após a denúncia, findos os quais caducará este direito.

A caducidade pode ser impedida pelo reconhecimento do direito por parte do seu beneficiário nos casos, além dos mais, em que estão em causa direitos disponíveis, conforme disposto no n.º 2 do art. 331.º do Código Civil. Sendo certo que a doutrina e a jurisprudência têm apontado como requisitos do reconhecimento do direito: a concretude; a clareza; e a inequivocidade. Note-se que, ademais, a declaração de reconhecimento do direito por parte do beneficiário da caducidade, não tem de ser necessariamente expressa, podendo ocorrer, validamente, de modo tácito (nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do art. 217º do Código Civil).

No caso concreto, atentemos no facto de que a Ré aceitou e reconheceu a extrema dificuldade de acesso dos veículos automóveis às garagens e que a rampa de acesso era inadequada, tendo-se comprometido a resolver o problema, tornando a rampa utilizável por automóveis. Nesta sequência, a Ré chegou mesmo a introduzir correções ao projeto inicial de arquitetura a fim de melhorar a inclinação da rampa e, inclusive, realizou as obras especificadas nesse sentido.

Assim, expostos estes factos, o Tribunal de Recurso decidiu que resulta que inequivocamente a ré/apelante reconheceu o direito dos autores à reparação da desconformidade impeditiva da utilização/acesso às garagens do piso -2 e tentou mesmo reparar esse defeito. Deste comportamento concludente e inequívoco da ré não resulta possível qualquer outra interpretação que não seja o do reconhecimento do direito dos autores à eliminação dos defeitos. A ser assim, esse reconhecimento inequívoco do direito dos autores, tem de ser subsumido ao disposto no artº 331º n.º 2 do CC: a caducidade dos direitos dos autores à reparação ou à redução do preço, foi impedida” (negrito nosso), e, assim sendo, o prazo de caducidade da ação deixa de correr, podendo o direito ser exercido pelo consumidor após o seu termo. Deste modo, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou o recurso totalmente improcedente.

 

Dra. Delfina Rita Mendes

Dra. Marta S. Neto