No artigo 387.º do Código Penal, encontra-se consagrado os maus-tratos a animais. De acordo com esta norma, “Quem, sem motivo legítimo, matar animal de companhia é punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou com pena de multa de 60 a 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.  Ora, esta consagração tem sido alvo de muita discussão, tendo sido declarada inconstitucional pela terceira vez, no passado dia 5 de maio. Por isso, da próxima vez que os juízes do Tribunal Constitucional se pronunciarem sobre a mesma podem vir a aboli-la, tal como sucedeu com a lei dos metadados.

Até 2014, vigorava um quadro legal que considerava que os maus-tratos a animais ou até mesmo a sua morte não constituía crime, sendo que quem o praticasse apenas era punido com uma coima, que poderia ir até os 3740 euros, independentemente do animal em causa, podendo este ser doméstico ou não. Com a alteração ao quadro legal, embora a esmagadora maioria das penas aplicadas pelos tribunais desde essa altura também têm sido de multa, os maus-tratos a animais passou a constituir um crime, punido com pena de prisão.

A questão em torno da inconstitucionalidade desta lei prende-se com o princípio de acordo com o qual, só os atentados a valores protegidos pela Constituição podem ser punidos com prisão, designadamente, o direito à integridade física e moral, à liberdade, segurança, à liberdade de expressão, à propriedade privada e o direito à vida. No caso dos maus-tratos a um animal, os juízes ainda não chegaram a um consenso sobre qual o bem juridico com expressão constitucional que é violado, uns apontam que está em causa o direito ao meio ambiente e outros consideram que se trata da dignidade humana. Sendo que, uma vez que o bem juridico, objeto de tutela penal, não se encontra identificado, considera-se que a norma legal em causa ofendia, conjuntamente, os artigos 27.º e 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

Ainda quanto ao bem juridico ofendido, têm sido apontados, como referido anteriormente, o ambiente e a dignidade da pessoa humana. Alicerçar a proteção dos animais na proteção do ambiente é de facto uma hipótese tentadora, dado que não só justificaria uma proteção direta e imediata do animal, mas também teria o suporte constitucional necessário. Contudo, tendo em consideração a nossa constituição, esta associação não é assim tão pacifica, pois embora o artigo 9.º da Constituição da República Portuguesa, inclua de forma articulada nas alíneas d) e e), a proteção do ambiente nas tarefas do Estado, que está incumbido de defender os direitos ambientais dos cidadãos, a natureza, o ambiente e os recursos naturais, mal chegamos ao artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa, referente ao ambiente e qualidade de vida, logo nos foge a interpretação literal, dado que não há nenhuma referência expressa à proteção dos animais. Sendo certo que a referência não tem de ser expressa, mas pode também estar implícita, há autores que defendem que a proteção individual dos animais se integra na proteção do ambiente conferida pelo artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa. Outra hipótese, é a proteção direta dos animais se extrair do próprio princípio da dignidade da pessoa humana. Esta tese assenta no pressuposto de que, uma interpretação atualista, “não especista” e não antropocêntrica, implicaria alargar o princípio da dignidade da pessoa humana aos animais. A ideia desta perspetiva alicerça-se no pressuposto de que os animais têm “dignidade” e que devem ser considerados como um fim em si mesmo.

Segundo esta última decisão, assinada pelo juiz Afonso Patrão, aquele que maltratar um animal, por mais hediondo que possa ser, não está a colocar em perigo o ecossistema. A dignidade humana, considerada no primeiro artigo da Constituição da República Portuguesa é considerada um conceito demasiado amplo e abstrato para permitir privar a liberdade de quem maltrate um animal.

As decisões de inconstitucionalidade dessa lei, foram proferidas ao longo dos últimos seis meses e tomadas por apenas cinco dos trezes juízes do Tribunal Constitucional, onde se inclui o presidente do mesmo, João Pedro Caupers.

O futuro desta lei é uma incógnita, no entanto durante as declarações de voto, dois dos juízes admitiram a possibilidade de o problema ser resolvido, através de uma simples alteração à redação da lei que criminaliza os maus-tratos, em vez de ser elaborada uma revisão constitucional.

 

Dra. Delfina Rita Mendes

Dra. Daniela Martins Rosas