No passado dia 7 de abril de 2022, o Tribunal de Justiça da União Europeia proferiu um acórdão onde abordou a questão da indemnização e a assistência aos passageiros em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos, em caso de voo sucessivo composto por dois segmentos de voo.

Subjacente a esta análise solicitada ao Tribunal de Justiça, pelo Nederlandstalige ondernemingsrechtbank Brussel (Tribunal das Empresas de Língua Neerlandesa de Bruxelas, Bélgica), esteve um litígio que opõe passageiros à United Airlines Inc., a respeito do pagamento de uma indemnização devido a um atraso de um voo sucessivo.

No caso concreto, os demandantes efetuaram, por intermédio de uma agência de viagens, uma reserva única na transportadora comunitária Deutsche Lufthansa AG, para um voo sucessivo com partida de Bruxelas (Bélgica) e destino a San José (Estados Unidos da América), com escala em Newark (Estados Unidos da América). Ora, sucede que, todos os voos que compuseram este voo sucessivo foram operados pela United Airlines – uma transportadora aérea com sede num país terceiro – sendo certo que os passageiros chegaram ao destino final com um atraso de 223 minutos.

Perante tal conjuntura, o Nederlandstalige ondernemingsrechtbank Brussel (Tribunal das Empresas de Língua Neerlandesa de Bruxelas) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial de saber se um passageiro terá direito a uma indemnização financeira de uma transportadora aérea não comunitária pelo facto de chegar ao destino final com um atraso superior a três horas, sendo certo que o atraso proveio do último voo, cujo ponto de partida e chegada se situam no território de um país terceiro. Note-se que a questão prejudicial colocada por aquele tribunal tem que ver com a interpretação e aplicação do Regulamento (CE) n.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos

No que concerne à situação concreta, importa mencionar que estamos ante uma série de voos sucessivos, com início num aeroporto de um estado-membro, mas operados, de facto, por uma transportadora aérea não comunitária. Além do mais, todos os referidos voos foram objeto de uma reserva única realizada pelo passageiro com uma transportadora aérea comunitária que não operou, de facto, nenhum dos voos.

Na sua decisão, o Tribunal de Justiça começou por relembrar que, nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 3.º do Regulamento n.º 261/2004, este se aplica aos passageiros que partem de um aeroporto localizado no território de um Estado Membro. Assim, dúvidas não podem restar de que a situação, segundo a qual passageiros de voos sucessivos, cujo primeiro voo parte de um aeroporto localizado no território de um Estado Membro está abrangida pelo Regulamento n.º 261/2004. Mas mais, o Tribunal refere mesmo que “Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de esse voo ter feito escala no território de um país terceiro nem pelo facto de a transportadora aérea que operou o referido voo não ser uma «transportadora comunitária» […], o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que se deve considerar que todos os segmentos de voo que compõem um voo sucessivo que tenha sido objeto de uma reserva única constituem uma universalidade para efeitos do direito a indemnização dos passageiros previsto no Regulamento n.º 261/2004” (negrito nosso). Deste modo, resulta claro das disposições do Regulamento n.º 261/2004, bem como das interpretações que tem vindo a ser feitas pelo Tribunal de Justiça, que basta que o primeiro voo de uma série de voos sucessivos parta de um aeroporto localizado no território de um Estado Membro para haver uma ligação estreita com o território da União Europeia e, assim, seja aplicado o mencionado Regulamento.

Assim, continua o Tribunal de Justiça, afirmando que “uma vez que se deve considerar que os voos sucessivos objeto de uma reserva única constituem uma universalidade para efeitos do direito a indemnização dos passageiros previsto no Regulamento n.º 261/2004 e que a aplicabilidade deste último aos passageiros desses voos deve ser apreciada à luz do local de partida inicial e de destino final dos mesmos, o local onde ocorre um atraso é irrelevante para efeitos desta aplicabilidade” (negrito nosso).

O Regulamento n.º 261/2004 tem por objetivo, como resulta dos seus considerandos 1 e 4, garantir um elevado nível de proteção dos passageiros, e assim sendo “proceder a uma distinção consoante um atraso tenha origem no primeiro ou no segundo segmento de um voo sucessivo que foi objeto de uma reserva única equivaleria a proceder a uma distinção injustificada, pelo que a United Airlines seria obrigada a pagar uma indemnização em caso de atraso ocorrido no primeiro segmento desse voo, mas não seria obrigada a fazê-lo em caso de atraso ocorrido no segundo segmento do referido voo, embora esse voo sucessivo deva ser considerado uma universalidade para efeitos do direito a indemnização e, em ambos os casos, os passageiros sejam afetados pelo mesmo atraso no destino final e, por conseguinte, pelos mesmos inconvenientes” (negrito nosso).

Por último, o Tribunal de Justiça abordou ainda a titularidade da obrigação de pagamento de uma indemnização, tendo em conta que no caso concreto quem configura como demandada é a United Airlines, uma transportadora aérea de um país terceiro. Ora, resulta da redação da alínea c) do número 1, e do número 3, do artigo 5.º do mencionado regulamento que o devedor desta indemnização só pode ser a «transportadora aérea operadora», logo, será responsável a United Airlines, pois que, ainda que não tenha celebrado um contrato com o passageiro, estará a cumprir as obrigações impostas por este regulamento em nome da pessoa que contratou com o passageiro. Isto porque a inexistência de um vínculo diretamente entre os passageiros e a United Airlines não é pertinente, já que esta última havia estabelecido uma relação contratual com a transportadora aérea que tem contrato com esses passageiros. Claro está que, tal não invalida que a United Airlines conserve o seu direito de exigir uma indemnização a qualquer pessoa, incluindo a terceiros, nos termos do direito nacional aplicável.

Destarte, o Tribunal de Justiça conclui que se considera que a United Airlines é a transportadora aérea, na aceção do disposto na alínea b) do artigo 2.º do Regulamento n.º 261/2004, já que operou o mencionado voo no âmbito de um acordo de partilha de códigos, em nome da Lufthansa, que é a transportadora contratual em causa no processo principal. Em resposta à questão prejudicial, o Tribunal de Justiça afirma que “o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), lido em conjugação com os artigos 6.º e 7.º do Regulamento n.º 261/2004, deve ser interpretado no sentido de que um passageiro de um voo sucessivo composto por dois segmentos de voo e objeto de uma reserva única realizada numa transportadora comunitária, com partida de um aeroporto localizado no território de um Estado Membro e destino a um aeroporto localizado num país terceiro, com escala noutro aeroporto desse país terceiro, tem direito a receber uma indemnização da transportadora aérea de um país terceiro que operou a integralidade desse voo atuando em nome dessa transportadora comunitária, quando esse passageiro chegue ao seu destino final com um atraso superior a três horas que tem origem no segundo segmento do referido voo”.

 

Dra. Delfina Rita Mendes

Dra. Marta S. Neto