No passado dia 22 de Março, o Supremo Tribunal de Justiça uniformizou jurisprudência acolhendo o entendimento de que “no regime de propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo, de que certa fração se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local”. Ora, esta decisão colocou um fim às divergências de entendimento jurídico sobre coexistirem num mesmo prédio habitação temporária, para fins turísticos, e habitação permanente.

Este acórdão surge após um conjunto de decisões díspares, nomeadamente de dois acórdãos do Tribunal da Relação do Porto e do Tribunal da Relação de Lisboa. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto, acolhia os argumentos dos moradores que se sentiam prejudicados e incomodados pelos barulhos fora de horas, degaste das partes comuns, sujidade do prédio e acesso de estranhos a garagens. Por outro lado, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa acolheu a perspetiva de que os proprietários das respectivas frações, podem atribuir a estas a finalidade que entenderem, seja para afetar as mesmas a habitação permanente, seja para lhes dar como destino habitação temporária.

Ademais, nestas decisões colocava-se duas questões de direito, em primeiro lugar, determinar se é considerado ato comercial a exploração de alojamento local e, em segundo lugar, se a utilização da fração para alojamento local viola o título constitutivo de propriedade horizontal. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto, entendeu que o alojamento local é uma atividade que possui natureza comercial, por isso não integra o conceito de habitação. Por outro lado, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, considerou que o alojamento local não é um ato de comércio e mesmo que fosse visto como tal, a fração tinha como finalidade a habitação e não a própria atividade comercial. Posto isto, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça pugnou no mesmo sentido que o entendimento do Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a decisão de primeira instância e condenou os réus a cessar imediatamente a utilização dada, bem como ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, desde a data do trânsito em julgado da sentença até à efetiva cessação da mesma.

Importa ainda referir que, antes desta uniformização por parte do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da lei n.º 62/2018, de 22 de Agosto, que alterou o Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local,  foi introduzida a possibilidade de oposição ao exercício de alojamento local, por deliberação fundamentada de mais de metade dos condóminos que correspondessem a mais de metade da permilagem do edifício, sendo que esta deveria ser apresentada ao Presidente da Câmara Municipal para decisão de cancelamento do registo. Ainda, neste regime, se encontra consagrada a proibição de instalação e exploração de “hostels”, sem autorização dos condóminos, em edifícios constituídos em regime de propriedade horizontal nos prédios em que coexistia habitação. No fundo, a grande novidade deste Acórdão Uniformizador de Jurisprudência foi permitir a qualquer condómino, arguir esta ilicitude e exigir a cessação dessa atividade, independentemente de ter sido obtido o respectivo título de abertura ao público.

Relativamente às consequências desta decisão, importa ter em conta que, embora tenha sido aprovada por unanimidade, constam dela duas declarações de voto, a da Juíza Conselheira Maria Olinda Garcia e do Juiz Conselheiro Rijo Ferreira, que mostram preocupação com a avalanche de processo que irá causar, bem como os riscos económicos da mesma. A Juíza Conselheira Maria Olinda Garcia, chama atenção para o facto de o alojamento local continuar a corresponder a uma finalidade habitacional, mas com um uso diverso, pois engloba dinâmicas diferentes das da habitação comum. Assim sendo, o entendimento de que o alojamento local constitui um uso diverso do habitacional, com base no art.º 1422.º, n.º 2, al. c) do Código Civil, dando possibilidade desta prática ser vedada pelos condóminos, atribuí uma prevalência aos interesses legítimos de sossego e segurança dos mesmo em detrimento dos interesses económicos dos proprietários que pretendem a respectiva rentabilização das frações. Por seu turno,  o Juiz Conselheiro Rijo Ferreira, chama a atenção para o facto de não terem sido ponderadas “as condições especificas do tempo em que é aplicada”, segundo o art.º 9.º do Código Civil, pois a ilicitude de todas as explorações poderá ser arguida por qualquer condómino isoladamente e independentemente de estas já se encontrarem registadas e com titulo válido de abertura ao público, o que consequentemente irá provocar uma avalanche de processos dessa natureza e disrupção significativa nesse setor de atividade.

 

 

Dra. Delfina Rita Mendes

Dra. Daniela Martins Rosas