A Lei n.º 98/2009, de 4 setembro que regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, atribui ao trabalhador sinistrado o direito à reparação, prevendo que este direito pode ser cumprido em prestações em dinheiro bem como em prestações em espécie. Ora, nos termos do artigo 25.º daquele diploma legal, uma das prestações em espécie a que pode haver lugar é o fornecimento de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais, bem como a sua renovação e reparação.
Assim sendo, o trabalhador que sofreu um acidente de trabalho ou que foi diagnosticado com uma doença profissional, nos termos da Lei n.º 98/2009, tem direito a que o responsável lhe forneça as ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais de que padeça. Desta forma, uma das aplicações práticas que dá cumprimento a esta norma é a adaptação de um veículo automóvel às novas condições de saúde do trabalhador sinistrado, de modo a permitir a obtenção de alguma autonomia e a permanência da habilidade de conduzir.
Note, no entanto, que esta prestação corresponde ao efetivo fornecimento das ajudas técnicos ou de outros dispositivos técnicos, não podendo, em regra, ser cumprida através do pagamento da quantia em dinheiro (ainda que seja a correspondente ao valor que assume aquela prestação). Não obstante, a supra mencionada Lei prevê duas situações de exceção a esta regra, a primeira no seu artigo 42.º, dispondo que: “O sinistrado pode optar pela importância correspondente ao valor das ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais indicados pelo médico assistente ou pelo tribunal quando pretenda adquirir ajudas técnicas de custo superior” (sublinhado nosso); e, ainda, na situação de haver lugar a cumprimento coercivo nos termos do artigo 45.º: “Se a entidade responsável, injustificadamente, recusar ou protelar o fornecimento, renovação ou reparação das ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou não efectuar o depósito referido no n.º 2 do artigo 42.º, o juiz profere decisão, ordenando a notificação daquela entidade para, no prazo de 10 dias, depositar à sua ordem a importância que for devida”.
Com a previsão desta regra, que impõe a efetivação da prestação em espécie (não se permitindo a sua substituição por uma prestação em dinheiro), pretende-se “garantir o efectivo fornecimento da ajuda técnica ou dispositivo equiparado ao sinistrado, seja directamente pelo responsável, seja por terceiro à custa deste, obviando a que possa ser substituído pelo pagamento do respectivo valor em dinheiro” – conforme afirma o Tribunal da Relação de Guimarães, no seu acórdão de 7/10/2021, proc. n.º 902/15.0T8BRG.G1.
Naquele processo, o Tribunal da Relação de Guimarães apreciou uma situação referente a uma trabalhadora que trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da sua entidade empregadora, com a categoria de delegada de informação médica, tendo, no dia 6 de janeiro de 2014, sofrido um acidente de trabalho. Neste dia, quando se encontrava no exercício das suas funções, ao caminhar, desequilibrou-se e caiu ao solo, sofrendo traumatismo na anca esquerda. Fruto deste acidente, para além das restantes consequências nefastas para a sua saúde, a trabalhadora ficou a sofrer de dor intensa e permanente, sensação de formigueiro constante, dormência e perda de força no membro inferior esquerdo e pé esquerdo o que a inibe de conduzir um veículo automóvel normal. Por esse motivo, a trabalhadora teria de adaptar o seu veículo com mudanças automáticas, adaptação essa que tem um valor associado de 12.000,00 €. Ora, face a esta factualidade, para além do mais, a entidade responsável foi condenada a fornecer-lhe a adaptação do seu veículo automóvel com caixa de velocidades automática.
Destarte, para além de direitos a outras espécies de compensações, no âmbito de um sinistro laboral, o trabalhador sinistrado tem direito a que o responsável lhe forneça as ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais de que padeça, nomeadamente a adaptação do seu veículo automóvel.
Dra. Delfina Rita Mendes
Dra. Marta S. Neto