O Direito de propriedade preceituado no artigo 1305.º do Código Civil, permite que o proprietário de determinado imóvel goze deste de modo pleno e exclusivo. Entre outros poderes que lhe assistem, o proprietário tem o Direito a efetuar as construções e edificações previstas nos artigos 1356.º e seguintes do mesmo diploma legal. Todavia, para além das restrições de direito público, decorrentes do planeamento urbanístico, licenciamento prévio ou classificação de áreas protegidas, os proprietários também têm de respeitar as regras de direito privado que salvaguardam, essencialmente, as relações de vizinhança.

Pelo que se entende que, as restrições ao direito de propriedade têm subjacente a tutela, quer do Direito de propriedade do vizinho, quer dos Direitos de personalidade deste. Podendo um proprietário reagir contra o vizinho que por meio de ação ou omissão, efetivamente, prejudique ou perturbe a utilização normal do seu prédio. A resolução deste tipo de conflito de Direitos, tem de ser necessariamente pautado pelo fim socio-económico dado ao imóvel como aos prédios envolventes (habitacional, industrial, comercial ou rural).

Vejamos, mostrar-se-á desadequado o proprietário que utiliza o seu prédio urbano sito numa zona habitacional como curral de gado, por se tratar de uma ameaça para a qualidade de vida dos habitantes dessa zona. Caso típico de utilidade disfuncional dada a um imóvel face ao destino sócio-económico que lhe deveria ser dado.

Outro exemplo tratar-se-á do caso de emissão de fumos e cheiros nauseabundos expelidos por chaminé de um prédio urbano. Se este caso ocorrer numa zona destinada exclusivamente à indústria ou ao comércio, à partida o problema não será colocado, mas se tratar-se de um prédio rodeado por outros que se destinem à habitação, poderemos estar perante outro caso típico de conflito. A qualidade do ar respirável forçosamente se inclui na panóplia de Direitos de personalidade à integridade física e à saúde, a um ambiente sadio, à qualidade de vida e ao bem-estar. Por outro lado, terá que se atender se os fumos e cheiros emitidos são de tal forma intensos e ocorrem de forma continuada, ou pelo menos com uma periodicidade frequente, que se mostrem suscetíveis de causar um transtorno superior ao socialmente tido como tolerável. Com base nisso e com base na ponderação dos interesses e dos Direitos em conflito, caberá ao julgador determinar uma solução que se mostre adequada, necessária e proporcional a assegurar a sua harmonização. Neste caso, a eliminação das emissões danosas obrigará o proprietário, primeiramente a abster-se de fazer um uso anormal do fim a que o imóvel se destina, bem como a proceder às implementações, reparações ou demolições que se mostrem necessárias a eliminar as causas ou atenuar os efeitos pela emissão, restaurando dessa forma a salubridade do meio envolvente.

Igual solução se aplica nos casos de ruído e poluição sonora, bem como a todos os outros em que o exercício do Direito de propriedade possa ofender direitos de personalidade de terceiro.

Assim se conclui, que as situações descritas mais não se tratam do que situações de Abuso de Direito, conforme previsto pelo artigo 334.º do Código Civil, devendo enquadrar-se a atuação do proprietário como um exercício ilegítimo por ser abusivo.

 

 

Dra. Delfina Rita Mendes

Dr. Raul Tobias Azevedo