O que é a Impugnação Pauliana?
A impugnação pauliana ou ação pauliana encontra-se prevista nos artigos 610.º e seguintes do Código Civil e trata-se de uma ação judicial que visa permitir aos credores atacar judicialmente certos atos válidos ou inválidos, celebrados pelos devedores em seu prejuízo.
Isto é, a garantia geral do pagamento das dívidas é o património do devedor, o qual compreende todos os seus bens e direitos suscetíveis de penhora. No entanto, o devedor pode prejudicar os legítimos interesses dos seus credores ao praticar certos atos que impliquem uma diminuição do seu património.
A título de exemplo, um devedor, prevendo que o seu credor possa executar coercivamente o seu património para a cobrança do respetivo crédito, vende a sua casa a um terceiro seu familiar. Assim, o credor fica prejudicado pois vê-se impedido de executar o imóvel do devedor a fim de satisfazer o seu crédito.
A prática tem vindo a demonstrar que, na maioria das vezes, o devedor age de má fé, pretendendo deliberadamente com o negócio impedir que os seus bens sejam “atacados” pelo credor, impossibilitando, por essa via, a satisfação do respetivo crédito. Frequentemente, recorrem a negócios simulados e nestas situações, a lei permite ao credor que este possa atacar esses atos e contratos através da denominada impugnação pauliana.
Quais os atos ou contratos que podem ser impugnados?
Podem ser impugnados todos os atos que impliquem uma diminuição da garantia patrimonial do crédito e que não tenham natureza pessoal (por exemplo, o divórcio). Deste modo, podem ser impugnáveis contratos de compra e venda de imóveis, de bens móveis, de veículos, doações, assunção de dívidas, renúncia a garantias…
E quais são os requisitos?
A procedência desta ação judicial depende da verificação de certos requisitos, sendo exigível que:
1.º : o direito de crédito do credor seja anterior ao ato prejudicial à garantia patrimonial; ou, caso o direito de crédito do credor seja posterior ao ato prejudicial à garantia patrimonial, o ato tenha sido realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor.
2.º: resulte do ato a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito ou, pelo menos, um agravamento dessa impossibilidade. Se após esse ato, o devedor ficar com uma situação patrimonial líquida negativa, ou seja, o seu passivo tornar-se superior ao ativo, o ato ou contrato pode ser atacado.
3.º: haja má fé por parte do devedor e do terceiro. Porém, este requisito apenas é exigível se estivermos perante um ato oneroso. Assim sendo, se estivermos perante um contrato de compra e venda oneroso, o credor terá ónus de alegar e provar que o devedor e o terceiro agiram de má fé, terá que demonstrar que tinham consciência do prejuízo que o ato causava ao credor. Se estivermos perante um ato gratuito, o credor está dispensado de provar a má fé por parte do devedor e do terceiro.
Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (datado de 13-05-2021; processo n.º 2215/16.0T8OER-A.L1.S3):
De acordo com o n.º 5 do artigo 10.º do Código de Processo Civil, doravante CPC, “ toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da ação executiva”. Estes limites respeitam quer ao objeto da obrigação exequenda quer aos respetivos sujeitos nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 53.º do CPC.
Por sua vez, dos títulos executivos taxativamente previstos no artigo 703.º, n.º 1, destacam-se a sentença condenatória, compreendendo a de condenação implícita, e os títulos negociais, mormente os documentos particulares não autenticados assinados pelo devedor previstos na alínea c) do n.º 1 dos indicativos normativos, em que se incluem os títulos de crédito, ainda que com valor de meros quirógrafos.
A execução pode ser promovida pelo credor contra o terceiro adquirente do bem que se pretende penhorar, quando a aquisição do mesmo por este tenha sido objeto de ação de impugnação pauliana julgada procedente.
Ora, a ação de impugnação pauliana tem como pressuposto essencial, além de outros, o reconhecimento do crédito do impugnante, pelo que tal reconhecimento conferido pela sentença proferida delimitará necessariamente o âmbito ou alcance objetivo e subjetivo desse crédito, posto que só assim se poderão estabelecer os parâmetros da dupla ineficácia do ato impugnado, designadamente em vista da restituição do bem alienado ou da sua execução no património do terceiro adquirente.
Destarte, a exequibilidade da sentença proferida em ação de impugnação pauliana, para efeitos de instauração da execução contra o terceiro adquirente, deverá ser aferida em função do que for dado como provado e concretamente reconhecido relativamente ao crédito em causa e ao modo como o mesmo se encontra titulado.
Dra. Delfina Rita Mendes
Dra. Cláudia da Silva Ramalho