A legitimidade do Ministério Público para reclamar créditos emergentes de taxas de portagem, custos administrativos, juros, coimas e demais encargos e a alteração do prazo de pós-pagamento.

Já muitas foram as discussões sobre o tema “taxas de portagem das autoestradas e ex-SCUT’s (ex-Sem Custo para Utilizador)”, principalmente sobre a (in)adequação da utilização do processo de execução fiscal para a cobrança coerciva destas taxas e demais encargos, pois, a uma das grandes questões que se levantaram  prendeu-se com o facto de uma empresa privada concessionária, não se ter que preocupar com a cobrança das portagens não pagas pelos utentes aquando da utilização das autoestradas e/ou pontes concessionadas, uma vez que o Estado se encarregava disso

Ora, encontrando-se já estes assuntos discutidos, visto e revistos no passado, importa agora olhar o futuro, como tal, o novo ano começou com algumas alterações legislativas que versam sobre este tema:

Comêssemos pela Diretiva n.º 1/2022, de 19 de janeiro, da Procuradora-Geral da República, sobre a legitimidade do Ministério Público para reclamar créditos emergentes de taxas de portagem, custos administrativos, juros, coimas e demais encargos, previstos na Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, nos tribunais judiciais.

Cumpre desde já esclarecer que a suprarreferida lei (25/2006) veio aprovar o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infraestruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem. Assim, a questão que se coloca é a seguinte: possui o Ministério Publico legitimidade para reclamar estes créditos?

A resposta é sim, e para conseguirmos compreendê-la teremos que efetuar um raciocínio lógico sobre o alcance das competências do Ministério Público confrontando-o com o que subjaz ao pagamento pela utilização de autoestradas, pontes e túneis rodoviários como uma utilização privativa de certos bens do domínio público e das utilidades provindas de serviços públicos.

Ora vejamos,

As autoestradas e suas ligações, pontes e túneis rodoviários, encontram-se dotados de condições especiais de segurança, assistência e conforto e têm como fim primacial permitir que o tempo entre deslocações seja reduzido. Mas a sua utilização obedece a regras próprias de tarifário e de cobrança, como é próprio da utilização privativa de certos bens, não obstante tratarem-se de bens de domínio público – motivo pelo qual o incumprimento destas regras ser sancionado com coima determinada nos termos do Art.º 7.º, n.º 1, da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, na sua redação atual.

Tendo em vista o interesse público, nomeadamente, a obtenção de receitas das taxas por liquidar e das coimas aplicadas, bem como, de forma a dissuadir os agentes que incumprem estas regras de obter vantagens ilícitas na utilização destas infraestruturas rodoviárias, entendeu o legislador atribuir à cobrança coerciva os meios próprios da execução das receitas tributárias e dos pagamentos determinados por ato administrativo, ou seja, a execução fiscal – Art.º 17.º A do mesmo diploma legal.

Ora, é certo que as concessionárias e subconcessionárias de autoestradas e de outras infraestruturas não fazem parte da administração pública em sentido orgânico, no entanto, “desenvolvem atividades materialmente administrativas que conservam o substrato público, refletido nas obrigações de serviço público para com os utentes e nos poderes de polícia administrativa que a lei lhes atribui.” (Cf. Parecer n.º 01/2020, do Conselho Consultivo da Procuradoria — Geral da República, de 23 de abril de 2020).

Assim, é à jurisdição administrativa e fiscal que compete a resolução dos litígios no âmbito destas relações jurídicas, “não somente em matéria de responsabilidade civil extracontratual (artigo 2.º, n.º 2, alínea k), do Código do Processo nos Tribunais Administrativos) como a ponto de a concessionária poder ser condenada em ação administrativa a abster -se de — ou a adotar — certo comportamento, por iniciativa de um utente da obra pública (cf. artigo 37.º, n.º 3) e, ainda, de poder ser destinatária de intimação para proteger direitos, liberdades e garantias (cf. artigo 109.º, n.º 2).” – Cf. n.º 8 do sumário plasmado na Diretiva n.º 1/2022, de 19 de janeiro).

Neste seguimento, e sendo o valor da taxa de portagem convencionado com o concedente público, sempre se entenderá que o cidadão, na qualidade de utilizador destas infraestruturas rodoviárias, relacionar-se-á com a concessionária, não apenas como consumidor, mas inclusive na qualidade de contribuinte, motivo pelo qual, a aludida taxa possui natureza tributária, nos termos do Art.º 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.

Dra. Delfina Rita Mendes

Dra. Sara Passos