O diploma consagra novos direitos a implementar no ambiente digital.

Publicada a 17 de maio de 2021, em Diário da República, a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital entrou em vigor no passado dia 16 de julho. No entanto, não há consenso relativamente a, pelo menos, um dos artigos que a integra.

Assim, com o objetivo de acompanhar a realidade digital e, mais concretamente, o acesso e navegação na internet, foi emitida a Lei n.º 27/2021, de 17 de maio, que pretende assegurar a proteção e livre exercício dos direitos humanos, com vista a uma inclusão social em ambiente digital, bem como o direito de livre acesso ao ambiente digital, independentemente da ascendência, género, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

O diploma vem firmar vários direitos em ambiente digital, entre os quais destacamos o testamento digital e a criação da tarifa social de internet.

O art. 18.º da Carta atribui a todas as pessoas o direito ao testamento digital, segundo o qual todos podem manifestar antecipadamente a sua vontade no que concerne à disposição dos seus conteúdos e dados pessoais constantes dos seus perfis e contas pessoais em plataformas digitais. Ademais, não poderá haver lugar à supressão póstuma de perfis pessoais em redes sociais e similares no caso de o titular do direito ter deixado indicação em contrário junto dos responsáveis do serviço.

Um dos grandes objetivos do diploma é garantir o acesso livre à internet a todos, atribuindo-se-lhes liberdade de expressão e criação em ambiente digital, sem qualquer tipo de censura (cfr. art. 4.º). Além disso, a criação de obras literárias, científicas ou artísticas originais, bem como as equiparadas a originais e as prestações dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e de videogramas e dos organismos de radiodifusão gozam de especial proteção contra a violação do disposto no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (art. 4.º/4). No entanto, note-se que as medidas proporcionais, adequadas e eficazes com vista a impedir o acesso ou a remover conteúdos disponibilizados em manifesta violação do direito de autor e direitos conexos são objeto de lei especial (cfr. art. 16.º/2)

Com vista à proteção deste acesso livre ao ambiente digital e à internet, ao estado compete promover, entre outros, a criação de uma tarifa social de acesso a serviços de internet aplicável a clientes finais economicamente vulneráveis, bem como promover a existência de pontos de acesso gratuitos em espaços públicos, como bibliotecas, juntas de freguesia, centros comunitários, jardins públicos, hospitais, centros de saúde, escolas e outros serviços públicos (cfr. art. 4.º).

Destacamos ainda o direito ao esquecimento, previsto no art. 13.º, segundo o qual todos têm o direito de obter do Estado apoio no exercício do direito ao apagamento de dados pessoais que lhes digam respeito; o direito de reunião, manifestação, associação e participação em ambiente digital, cfr. o art. 7.º; o direito à neutralidade da internet que, de acordo com o art. 10.º, prevê que todos têm direito a que os conteúdos transmitidos e recebidos em ambiente digital não sejam sujeitos a discriminação, restrição ou interferência em relação ao remetente, ao destinatário, ao tipo ou conteúdo da informação, ao dispositivo ou aplicações utilizados, ou, em geral, a escolhas legítimas das pessoas; e ainda o direito à proteção contra a geolocalização abusiva, previsto no art. 17.º.

Salienta-se a problemática que se tem levantado em torno do art. 6.º, que regula o direito à proteção contra a desinformação. O polémico artigo prevê que “O Estado assegura o cumprimento em Portugal do Plano Europeu de Ação contra a Desinformação, por forma a proteger a sociedade contra pessoas singulares ou coletivas, de jure ou de facto, que produzam, reproduzam ou difundam narrativa considerada desinformação”, e, para tal, “apoia a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados e incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública”. Como concretização, atribui-se a todas as pessoas o direito de apresentar e ver apreciadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social queixas contra as entidades que pratiquem os atos aqui enunciados. Ora, têm-se levantado algumas questões relacionadas com o facto de o texto previsto neste artigo configurar uma forma de censura a posteriori, levando até à apresentação de propostas de revogação do artigo (que foram já rejeitadas), e propostas de alteração do seu texto, pelo que o artigo em causa não reúne consenso.

Assim, a Carta encontra-se atualmente em vigor, com o texto original, desde o dia 16 de julho de 2021, trazendo novos direitos para o ambiente digital, de forma a acompanhar a rápida evolução da realidade digital e da internet, protegendo os seus utilizadores.