A prática de mutilação genital feminina é considerada crime autónomo, em Portugal, apenas desde 2015 e foi somente em Janeiro de 2021 que ocorreu o primeiro julgamento por crime de mutilação genital.

O Tribunal de Sintra condenou, em Janeiro de 2021, uma cidadã guineense, residente em Portugal, a uma pena de três anos de prisão efectiva pelo crime de mutilação genital da sua filha bebé. O juiz Presidente do colectivo considerou não existirem dúvidas de que as práticas cometidas pela cidadã integram o crime de mutilação genital feminina, hoje previsto no artigo 144.º-A Código Penal, afirmando até que tal prática é “uma flagrante violação de direitos humanos”.

Nos termos do artigo 144.º-A/1 Código Penal, quem mutilar genitalmente, total ou parcialmente, pessoa do sexo feminino através de clitoridectomia, de infibulação, de excisão ou de qualquer outra prática lesiva do aparelho genital feminino por razões não médicas é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos. Também os actos preparatórios deste crime são punidos com pena de prisão até 3 anos (conforme artigo 144.º-A/2 do Código Penal).

No caso concreto, a mãe, acusada da prática do crime em julgamento, planeou e realizou uma viagem à Guiné, local onde a própria filha bebé sofreu a mutilação genital. Pelo que, tendo em conta as circunstâncias do caso, a prática constitui crime de mutilação genital feminina. Não tendo ficado provado que tivesse sido a própria arguida a executar a mutilação genital da filha, o juiz reconheceu que ficou provado que a prática foi realizada “a seu pedido”, constituindo uma falha nos “deveres de cuidado” para com a filha bebé.

Não concordando com a decisão proferida pelo tribunal, a cidadã condenada recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, no passado dia 16 de julho de 2021, proferiu o acórdão, onde as juízas da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa acordam conceder provimento ao recurso interposto pela arguida, “declarando-se suspensa a execução da pena que lhe foi aplicada, pelo período de quatro anos”.

O tribunal fundamentou a sua decisão no facto de a arguida não ter antecedentes criminais e entendeu que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Ademais, considerou que o cumprimento efectivo de três anos de prisão constituiria “um novo castigo para a sua filha”, já que ficaria privada da mãe pelos 3 anos em que esta estaria a cumprir a pena de prisão efectiva. Por conseguinte, decidiu suspender a pena de prisão efectiva, nos termos dos artigos 50.º e seguintes do Código Penal.