No seguimento da noticia da semana passada, cumpre esclarecer ainda que,

Não são apenas as entidades governamentais que apoiam a ideia de um “comprovativo de saúde do viajante”. Por exemplo, a Emirates, principal companhia aérea dos Emirados Árabes Unidos, apostou num passaporte digital criado pela “International Air Transport Association” que permite identificar se o seu titular tem um teste à Covid-19, em que data foi este feito, qual o resultado obtido e, claro está, se já foi vacinado.

Ora, em Portugal, antes de mais, importa ressalvar o seguinte: para que a vacina seja considerada obrigatória, terá de ser aprovada uma lei na Assembleia da República – ou um decreto de lei do Governo autorizado pelo Parlamento – que defina os critérios da obrigatoriedade e as consequências da recusa.

Só o Parlamento e só o Governo com a autorização da Assembleia da República podem restringir direitos, liberdades e garantias.

Sem que o Parlamento aprove a lei, nenhuma entidade pode impor a toma da vacina. Assim, nunca pode ser o empregador, por exemplo, a colocar tal obrigação pois não tem poder para tal. 

 Resta saber seConstituição da República Portuguesa permite que seja imposta aos cidadãos a obrigatoriedade de tomar esta vacina.

Para alguns constitucionalistas a resposta será afirmativa, mas se (e só se) estiver em causa a saúde pública.

Na nossa Constituição, no seu Art.º 64.º prevê um dever de proteção da saúde pública por parte do Estado.

Este dever de proteção da saúde é um dos fundamentos apresentados por quem defende esta opinião. O argumento exposto é de que não está aqui em causa apenas a saúde das pessoas que optam por não tomar a vacina, uma vez que a todos os cidadãos é concedida a liberdade para decidir a sua vida.

O problema é encontrado quando o raciocínio é feito da seguinte forma: se a pessoa não se vacinar e contrair o vírus, infeta outras pessoas e põe em causa a vida de outros cidadãos. Assim, já não se estará a discutir a liberdade de cada um e a sua saúde individual, mas sim a de toda a sociedade.

A vacina tem em vista proteger o individuo em particular, mas, especificamente, tem em vista proteger toda a sociedade.

Mas se de um lado da balança está a proteção da saúde pública, do outro lado está o direito à liberdade e à integridade física, direitos estes também consagrados também na nossa Constituição.

A toma de qualquer medicamento necessita, em cumprimento pelas regras do Direito da Saúde, do consentimento do paciente, e este pode sempre recusar-se – à exceção dos casos de saúde mental. A recusa de tratamento médico fundamenta‑se na liberdade de consciência, de religião e de culto, bem como na salvaguarda da integridade física e moral (Artigos 25.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1 da Constituição da Républica Portuguesa).

Também o Código Deontológico da Ordem dos Médicos impõe respeito pelas opções religiosas, filosóficas ou ideológicas dos doentes, garantindo que recebem o tratamento e conforto moral adequados à sua convicção. (Artigos 5.º e 9.º da Convenção sobre os direitos do Homem e a Biomedicina e Artigos 40.º, 45.º a 48.º, 50.º e 51.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos).

Em boa verdade ainda existem muitas questões por esclarecer sobre a possível eficácia, segurança e qualidade, da vacina contra a Covid-19 e é necessário reunir todas as informações, para que se possa tomar uma decisão, com maturidade que a situação assim exige, sobre uma possível imposição da aplicação desta.

Assim, do outro lado da discussão, há quem entenda que este dever de proteção da saúde, previsto na nossa Constituição, e que deve ser exercício pelo estado, faz-se por indução, educação, formação e pela criação de confiança.

A própria conceção da lei tem de ser justificada e argumentada com evidências científicas.

Aqui entra o Princípio da Proporcionalidade, que está também consagrado na Constituição no Art.º 18.º, onde refere que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Antes de elaborar e votar qualquer  lei em que se aborde esta possibilidade de obrigação, será necessário que a Assembleia da República cogite todos os dados sobre a vacina, desde a eficácia aos possíveis efeitos secundários , assim como o impacto que terá no combate à pandemia de Covid-19.