A resposta à questão torna-se, desde logo, difícil dada a natureza sensível dos dados que a entidade empregadora obtém através da medição de temperatura corporal (vide art. 9º RGPD). Em regra, estes dados não podem ser tratados sem o consentimento do seu titular, consentimento esse que, nos termos do art. 4º RGPD, deve ser livre, específico e informado. Mas, na relação laboral, será que esta noção de consentimento releva? Parece-nos que não, acima de tudo porque estamos a discutir uma relação marcada pela desigualdade entre o trabalhador e o responsável pelo tratamento dos seus dados pessoais (o empregador). Isto porque, dependendo o funcionário jurídica e economicamente do seu empregador, não vai querer perder o seu posto de trabalho e, por esse motivo, não nos parece que vá prestar tão livremente o seu consentimento.   

O próprio RGPD parece, no seu art. 43º, afastar o consentimento como fundamento jurídico do tratamento destes dados pessoais quando haja um desequilíbrio entre o titular dos dados e o responsável pelo tratamento. Ao invés do consentimento será, portanto, necessário que o empregador respeite pressupostos alternativos, mais concretamente, a exitência de uma finalidade legítima para o tratamento destes dados, a proporcionalidade (em todas as suas vertentes) e a transparência.

Mas será que no caso das medições, o empregador estará a cumprir todos estes pressupostos? Diríamos que sim, dado que a febre é, como se sabe, um dos sintomas principais da existência do vírus SARS-CoV-2, vírus que é, sem margem para dúvidas, altamente contagioso. Sem embargo que, ao fazer medição da temperatura corporal, está a entidade empregadora a acautelar o cumprimento de todas as regras respeitantes à medicina do trabalho, garantindo a segurança, saúde e bem-estar de todos os trabalhadores.

Portanto, será possível que, no contexto excecional do estado de emergência causado pela doença COVID-19, o empregador realize estes testes aos seus funcionários, nos termos do art. 13-C do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio:

“1 – No atual contexto da doença COVID-19, e exclusivamente por motivos de proteção da saúde do próprio e de terceiros, podem ser realizadas medições de temperatura corporal a trabalhadores para efeitos de acesso e permanência no local de trabalho.

2 – O disposto no número anterior não prejudica o direito à proteção individual de dados, sendo expressamente proibido o registo da temperatura corporal associado à identidade da pessoa, salvo com expressa autorização da mesma.

3 – Caso haja medições de temperatura superiores à normal temperatura corporal, pode ser impedido o acesso dessa pessoa ao local de trabalho.”

Resta-nos fazer referência às consequências que podem advir no caso do empregador detetar uma temperatura corporal superior à temperatura normal. A primeira consequência é adiantada pelo n.º 3 do art. 13-C do DL n.º 20/2020, de 01/05 (supra citado): o trabalhador pode ser impedido de aceder ao local de trabalho. Mas, nesta circunstância, poderá o trabalhador ter falta? A resposta será negativa, porque o funcionário está disponível para trabalhar na hora e local de trabalho, simplesmente fica impedido de o fazer em consequência do resultado da medição. Aqui caberá ao empregador suportar a ausência do trabalhador, que deverá, por sua vez, realizar o teste de deteção do vírus SARS-CoV-2, cumprindo com as normas de saúde e segurança no trabalho.